Título: Fidalguia só não faz verão
Autor: Dora Kramer
Fonte: O Estado de São Paulo, 27/01/2006, Nacional, p. A6

Palocci usa a técnica da polidez continuada, mas ontem ela não funcionou

Pela primeira vez na série de explicações públicas dadas a respeito de denúncias de corrupção nos últimos meses, ontem na CPI dos Bingos o ministro da Fazenda, Antônio Palocci, não se desempenhou como de costume. A contar pelo padrão imposto por ele anteriormente, saiu-se mal.

Foi contido e polido como sempre, mas como não ocorrera nas outras ocasiões, sua dissimulação sobre questões mais sensíveis soou constrangedora.

Por exemplo, quando questionado pelo senador Antero Paes de Barros sobre a contratação para sua equipe de um diplomata contra a opinião de instâncias de fiscalização da administração pública por ter sido demitido a bem do serviço público. Palocci, à falta de melhor argumento, alegou que as pessoas "precisam trabalhar".

De fato, mas quando exoneradas por questão de conduta, desaconselhável que o façam no serviço público.

O ministro repetiu a tática da cortesia continuada, buscando sempre elogiar o interlocutor, por mais desagradável que lhe tenha sido a indagação.

Deu certo em alguns momentos, mas, desta vez, a técnica não impediu que senadores menos impressionáveis pusessem em pauta os assuntos com a clareza devida.

Tanto que, também num movimento inédito, por momentos Palocci pareceu perder a serenidade.

Não respondeu, apenas agradeceu a "assistência jurídica" do senador Demóstenes Torres, que lhe fez ver que sua posição de não processar seus detratores enquanto estiver no cargo de ministro pode levá-lo a perder os prazos jurídicos e impedir os processos, deixando válidas as acusações.

O ministro voltou a dizer que não processa Rogério Buratti e outros acusadores por não querer pressionar ou induzir, com sua condição de ministro da Fazenda, as decisões da Justiça.

Trata-se de uma incongruência em relação à "confiança" manifesta por Palocci nas "instituições", entre elas a Justiça, que, nesse caso, seria permeável a pressões.

Dificilmente o ministro da Fazenda aceitará voltar ao Congresso para prestar esclarecimentos, pois ontem pôde perceber que o pacto da fidalguia não é inquebrável.

Foi duramente questionado pelo senador Agripino Maia sobre a convivência com a ilicitude - ainda que não seja o autor dela - e viu-se no embaraço de alegar que ele pessoalmente não fez nada de errado. Mas, pelas evidências apresentadas, não tinha condições de dizer o mesmo de sua equipe na prefeitura de Ribeirão Preto.

A respeito disso, declarou-se impossibilitado de responder pela probidade passada e futura de seus assessores. Argumento fragilíssimo para quem ocupa a posição dele.

Como disse o senador Jefferson Peres, Antônio Palocci pode até ser honesto, mas já não parece ser; como se exige do ocupante de função pública.

Nesse sentido, o ministro repetiu um conceito já emitido anteriormente. Disse que ninguém está acima de qualquer suspeita, quando o correto seria dizer acima da lei.

A condição de insuspeito é indispensável. Quando a autoridade perde a condição de cidadão acima de qualquer suspeita perde também o atributo primordial para exercer o cargo público, pois - justa ou injustamente - deixa de contar com a prerrogativa da confiança inquestionável. Pessoal, política e profissionalmente falando.