Título: Lições de realismo
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Fonte: O Estado de São Paulo, 27/01/2006, Notas e Informações, p. A3

O Brasil que se prepare, porque a China e a Índia pretendem continuar avançando no mercado internacional e estão tomando as providências para isso. Com crescimento de 9,9% no ano passado, a economia chinesa converteu-se na quarta maior do mundo e manterá essa posição, facilmente, se sustentar uma expansão anual de 8% nos próximos cinco anos, nova meta oficial. Quanto aos indianos, seu novo objetivo é ampliar a indústria de transformação, para depender menos da venda de serviços tecnológicos.

A China continua a atrair o maior volume do investimento direto enviado às economias emergentes e dificilmente perderá essa posição nos próximos anos. Até a valorização de sua moeda, cobrada pelas grandes potências para reduzir o poder de competição dos exportadores chineses, poderá ser um fator de estímulo aos investidores. Se a moeda chinesa tiver uma valorização de 25% a 30% nos próximos cinco anos, como disse um executivo chinês, investir dólares no país será um negócio muito bom.

Em dois painéis na manhã de terça-feira, no Fórum Econômico Mundial, em Davos, executivos indianos e chineses mostraram como o planejamento pode ser utilizado em duas economias submetidas a regimes políticos diferentes.

Exemplo: nos dois países há uma séria preocupação com a energia necessária para sustentar o crescimento econômico acelerado. Os dois países decidiram investir na exploração de petróleo e gás no exterior. Querem evitar um apagão. Nos dois países há deficiências de infra-estrutura e programas de investimento - com fórmulas para atração de capitais privados. Na Índia, a necessidade de criar 75 milhões de empregos por ano reforça a importância da expansão da base industrial.

Para os dois países, a integração com as demais economias da Ásia é parte de uma política de ocupação de espaços em escala global. A China utiliza matérias-primas e bens intermediários de outros países da Ásia e seu comércio com a região é deficitário. Mas, graças a esse comércio, obtém vantagens competitivas nos mercados mais desenvolvidos. A Índia também faz um jogo planejado. Um dos participantes de um painel no Fórum Econômico Mundial contou que sua empresa comprou uma indústria de tratores na China e desenvolve um modelo compacto para o mercado americano, usando componentes fabricados na Índia.

Não há a mínima semelhança entre essas estratégias de integração e a política em vigor no Mercosul, marcada pela competição entre as duas maiores economias e pelo crescente protecionismo no interior do bloco.

Na Ásia não reina a harmonia nas relações entre os povos. As cicatrizes de velhos conflitos ainda doem, como se vê nas manifestações anti-Japão, em cidades chinesas. Mas há um esforço, ressaltado nos dois painéis, para conter as emoções e enquadrar a política regional nos objetivos do crescimento econômico.

O mesmo realismo marca as relações com os principais mercados. Os chineses detêm cerca de US$ 1 trilhão em papéis do Tesouro americano. Alguém perguntou se está sendo executado um programa de diversificação de ativos financeiros pelo governo chinês. Um empresário chinês respondeu que é preciso ter muito cuidado com essa questão. A maior parte dos investimentos no país ainda é feita em dólar. Além do mais, o país depende dos americanos para comprar seus produtos, assim como os americanos dependem dos parceiros da Ásia para financiar suas contas fiscais e seu balanço de pagamentos.

A China começou sua reforma econômica nos anos 80 e vem crescendo aceleradamente há duas décadas. A Índia manteve um crescimento médio anual superior a 6% ao longo de sete governos de cores políticas diferentes. Os dois casos são exemplos expressivos de como a fixação de rumos de longo prazo, com realismo e pragmatismo, pode funcionar em regimes políticos diferentes, um ainda bastante centralizado, outro marcado pelo ritual democrático. Nos dois países subsistem enormes problemas sociais. Em ambos, um preocupante passivo ambiental vem-se acumulando com as transformações econômicas. Mas ambos têm um rumo, seus empresários sabem disso e agem de acordo. Alguém pode dizer o mesmo do Brasil?