Título: O fim da verticalização
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Fonte: O Estado de São Paulo, 27/01/2006, Notas e Informações, p. A3

A esmagadora maioria dos 343 deputados federais que na quarta-feira aprovaram em primeiro turno a emenda constitucional que derruba a norma eleitoral da verticalização, introduzida em fevereiro 2002 por ato do então presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Nelson Jobim, decerto agiram por cálculos de conveniência. Com sinal trocado, outra não há de ter sido, em geral, a motivação dos 143 parlamentares que foram voto vencido ao apoiar a regra que proíbe os partidos de formarem, nos Estados, coligações diferentes daquelas constituídas para a eleição presidencial, restando-lhes ou se aliar localmente a legendas sem candidatos ao Planalto ou concorrer em faixa própria aos governos estaduais. O caso do PT ilustra claramente o peso decisivo da avaliação de vantagens e desvantagens específicas de cada sistema no voto dos seus deputados.

Os defensores da derrubada da verticalização, como queria o presidente Lula, partiram essencialmente da premissa de que o restabelecimento da norma mais flexível, ao estimular o lançamento de um número maior de aspirantes à Presidência da República, fragmentando portanto a oposição, facilitaria a reeleição. Já os defensores da incorporação definitiva da regra estrita à legislação eleitoral brasileira deram prioridade aos seus prováveis efeitos benéficos para o partido nos pleitos para o legislativo federal: o estreitamento das possibilidades de coligações nos Estados facilitaria - à primeira vista paradoxalmente, mas bem pensadas as coisas, logicamente - a eleição de uma bancada mais numerosa do que na outra hipótese. Em 2002, a verticalização contribuiu para dar ao PT a maior bancada da Câmara (com 91 membros) e a maior de sua história.

Diante desse dilema, 63 deputados petistas, coerentes com a decisão prévia da bancada, votaram no que entenderam ser melhor para o partido (e para si próprios, obviamente), contra apenas 14 que seguiram a orientação de Lula. O presidente, portanto, perdeu de goleada entre os seus, mas pôde festejar a folgada vitória do fim da verticalização - que deverá se repetir na segunda e derradeira rodada na Câmara, pois o Senado já se manifestara no mesmo sentido, apenas poucos meses depois da instituição da norma. Neste caso, a posição dominante no Congresso é positiva, e não apenas para os interesses de grande parte dos seus integrantes. A verticalização foi um erro, quaisquer que tenham sido as razões que induziram o ministro Nelson Jobim a adotá-la (em resposta a uma consulta sobre o alcance do artigo da Constituição que obriga os partidos a serem nacionais).

O argumento político mais conhecido em favor da regra agora prestes a ser abolida sustenta que ela promoveria a coerência do sistema partidário brasileiro, ao reproduzir necessariamente na esfera local os alinhamentos acertados no âmbito federal. À medida que se sucedessem, as eleições verticalizadas decantariam padrões consistentes de afinidades e antagonismos entre as legendas, no lugar da permissiva mixórdia atual, ininteligível para o eleitor e facilitadora do comércio de apoios e lealdades.

De fato, a incoerência e o oportunismo são componentes nefastos dos costumes políticos nacionais. Mas é uma ilusão supor que possam ser erradicados por uma decisão "vertical", tecnocrática e, principalmente, à revelia das heterogêneas realidades geográficas, históricas e culturais em que se originam - e que embasam o caráter federativo deste país-continente.

Por isso, embora os partidos sejam nacionais, nem por isso o Brasil é um Estado unitário. Não sendo, em cada unidade federativa, ou ao menos nas diferentes regiões, a política se orienta pelas realidades que lhe são específicas, para o bem ou para o mal. Alianças visando à eleição presidencial podem ser reproduzidas sem problemas em tantos ou quantos Estados, mas serão aberrantes em outros. Tanto assim que, coagidos a vestir a camisa-de-força da verticalização em 2002, os políticos horizontalizaram na prática as suas escolhas de acordo com o quadro próprio das suas áreas de atuação - o que faz sentido também para o eleitorado local.

Desse ângulo, é irrefutável a crítica do senador pefelista Marco Maciel. Segundo ele, a norma "pretoriana" do Tribunal Superior Eleitoral imitou "a lógica do voto vinculado", no regime militar, que forçava os eleitores a votarem de alto a baixo nos candidatos do mesmo partido. A verticalização, em suma, não deixará saudade.