Título: Em Gaza, ameaça de corte de ajuda não assusta
Autor: Daniela Kresch e Reali Júnior
Fonte: O Estado de São Paulo, 31/01/2006, Internacional, p. A10

Quase sem luz e aquecedores, utilizando-se de fogueiras, para enfrentar um inverno ameno, os palestinos da Faixa de Gaza estão acompanhando de perto os primeiros movimentos do Hamas, partido vitorioso das últimas eleições. Nem mesmo a decisão do governo israelense de suspender as transferências do dinheiro arrecadado com os impostos tem assustado a grande maioria que votou no Hamas.

"Isso já era esperado. O governo israelense está agindo assim para forçar o Hamas a conversar", disse com convicção o motorista de táxi Natsi, que faz corridas da Cidade de Gaza até o posto de controle na fronteira entre o território palestino e Israel. "Mas se eles não derem o dinheiro podemos buscar financiamento em outros países, como o Irã, por exemplo", complementa.

A primeira parte da opinião do taxista é compartilhada pelos eleitores que decidiram pela a mudança, tirando a secular Fatah do poder e colocando em seu lugar o movimento fundamentalista islâmico Hamas. "Não estamos com fome e não precisamos desse dinheiro. A situação vai melhorar porque alguma coisa vai mudar", afirmou Anwar el-Tabteeby, de 45 anos, lembrando que desde a ascensão da Fatah a situação somente piorou, enquanto seus dirigentes melhoravam de vida.

Atrás da fumaça de uma fogueira improvisada na calçada de uma rua pobre e escura de Camp Beach, Muhammad Omar, de 45 anos, mantinha o otimismo. "Israel e Palestina vão ter uma relação melhor. A comunidade internacional vai respeitar o governo do Hamas mais do que respeitava a Autoridade Palestina liderada pela Fatah", observou Omar.

Reunido com amigos, a quem servia café com bastante pó, à moda árabe, Omar construía a esperança na convicção de que o Hamas não cairá na mesma tentação em que caiu a Fatah. "O povo não agüenta mais tanta corrupção e agora o que espera é que Hamas acabe com ela", disse. Ao ser perguntado se isso não poderia gerar um conflito interno entre os seguidores das duas maiores forças políticas, Omar mandou um recado aprovado por outros cinco palestinos que estavam ao redor da fogueira.

"Nós nunca vamos brigar com nossos irmãos", disse, recebendo a aprovação de todos que se encontravam ao redor da fogueira.

A manifestação de insatisfação promovida por militantes do Fatah, que chegaram a atirar contra prédios, não contaminou o eleitorado. Na opinião generalizada, apenas uma elite se beneficiou por meio da corrupção com o governo da Fatah. Até quem costuma depositar sua confiança na Fatah mudou de lado e agora avalia que a esperança está no Hamas.

"Eu costumava votar na Fatah, mas votei no Hamas. A Fatah ficou ruim e tornou-se muito corrupta. Enquanto estava vivo, (Yasser) Arafat controlou a corrupção. Mas depois que ele morreu a situação piorou. Agora é a hora de banir os corruptos de dentro da Fatah", disse Samy Omar, de 37 anos.

Na condição de eleitor que já experimentou a esperança e se desiludiu com o governo de Mahmud Abbas, Samy Omar avalia que o Hamas não contará com a ajuda do país vizinho. Ele acredita que o clima de beligerância entre as duas nações continuará. "Israel vai tentar sabotar o governo palestino", afirmou. O fato novo, segundo ele, será a estratégia utilizada pelo Hamas - de propor uma trégua de longo prazo - que pode levar a sociedade internacional a pressionar Israel a dar um voto de confiança ao novo gabinete palestino.