Título: Hamas rejeita condições para ajuda
Autor: Daniela Kresch e Reali Júnior
Fonte: O Estado de São Paulo, 31/01/2006, Internacional, p. A10

O Hamas (Movimento de Resistência Islâmica) rejeitou as condições oficializadas ontem pela União Européia e pelos parceiros do bloco europeu na busca da paz no Oriente Médio - ONU, EUA e Rússia - para a manutenção da ajuda econômica internacional à Autoridade Palestina (AP) num futuro governo liderado pelo grupo radical.

A rejeição foi anunciada poucas horas depois da conclusão de duas reuniões da comunidade internacional sobre a questão. Em Bruxelas, os chanceleres dos 25 países da UE decidiram manter, por enquanto, o financiamento à AP, mas exigiram que o Hamas renuncie à violência e reconheça o direito à existência de Israel se quiser que o repasse de verbas continue depois que o grupo - o grande vencedor das eleições parlamentares palestinas na semana passada - subir ao poder.

Em Londres, dirigentes do Quarteto de Madri (formado pela ONU, UE, EUA e Rússia para buscar a paz no Oriente Médio) fizeram as mesmas exigências, mas também tomaram o cuidado de não ameaçar cortar a ajuda imediatamente. "O Quarteto concluiu que é inevitável que qualquer futura assistência a qualquer novo governo palestino seja revista pelos país doadores com base no compromisso desse governo com os princípios da não-violência, reconhecimento de Israel e aceitação dos acordos e obrigações existentes", disse o secretário-geral da ONU, Kofi Annan, após o encontro.

"As condições impostas pelo Quarteto são pressões que servem aos interesses de Israel, não do povo palestino", reagiu um porta-voz do Hamas em Gaza, Mosheer al-Masri. "O Quarteto deveria ter pedido o fim da ocupação e agressão (israelense), não que a vítima reconheça a ocupação e fique de mãos atadas ante a agressão", disse outro porta-voz do grupo em Gaza, Sami Abu Zuhri.

A União Européia repassou algo em torno de US$ 570 milhões aos palestinos em 2005. Ontem, os chanceleres do bloco decidiram manter os repasses até que o Hamas forme efetivamente o novo governo palestino, quando voltarão a julgar o assunto. Os ministros querem ver como o grupo radical vai se comportar no poder antes de suspender de fato a ajuda financeira aos palestinos.

Já o governo americano tende a cancelar a transferência de verbas à AP, mesmo que continue, por agora, a financiar projetos humanitários de ONGs. Estima-se em US$ 400 milhões o montante global enviado pelos americanos aos territórios palestinos em 2005. Desses, US$ 250 milhões foram direto para os cofres da AP.

Em Washington, o presidente americano, George W. Bush, reafirmou que não vai apoiar um governo palestino liderado pelo Hamas. "O Hamas deixou claro que não apóia o direito de existência de Israel. E eu deixei bem claro que, enquanto essa for sua política, não vou apoiar um governo palestino formado pelo Hamas", declarou Bush.

No encontro do Quarteto, a secretária americana de Estado, Condoleezza Rice, voltou a pedir que outros governos sigam os EUA na decisão de cancelar financiamentos ao governo palestino. E que estudem caso a caso as doações para projetos humanitários na Cisjordânia e na Faixa de Gaza.

As decisões da Europa e dos EUA foram tomadas horas depois de um dos líderes do Hamas, Ismail Haniye, ter pedido à comunidade internacional que não suspenda o financiamento estrangeiro à AP por causa da vitória do grupo radical nas eleições. Em entrevista coletiva na Faixa de Gaza, Haniye prometeu que os fundos não serão usados no financiamento do terrorismo e sim para manter a infra-estrutura da AP.

"Pedimos a vocês que continuem com o apoio moral e financeiro e dirijam toda a ajuda ao Tesouro Palestino para que seja usada na manutenção das prioridades do povo palestino", disse Haniye, um dos líderes do Hamas.

Horas mais tarde, em entrevista coletiva com a chanceler alemã, Angela Merkel, em Ramallah, na Cisjordânia, o presidente palestino, Mahmud Abbas, fez o mesmo pedido. Ele solicitou à comunidade internacional que mantenha funcionando as instituições palestinas.

Por enquanto, segundo alguns Estados europeus - entre eles a França -, a questão da suspensão imediata da ajuda não é cogitada, principalmente a ajuda humanitária. E uma fonte diplomática francesa advertiu que cortar a contribuição financeira não ajudaria muito, pois os iranianos cobririam as necessidades mais urgentes de um futuro governo do Hamas.