Título: Cientistas criticam projeto espacial
Autor: Cristina Amorim
Fonte: O Estado de São Paulo, 31/01/2006, Vida&, p. A13

O Brasil já começou a contagem regressiva para lançar seu primeiro astronauta, mas outra contagem é feita nas salas de alguns cientistas: quanto tempo mais demorará para que o País tenha autonomia no setor espacial, principalmente no desenvolvimento de satélites.

Ontem, o novo diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o engenheiro Gilberto Câmara, afirmou que o País precisa de um "programa espacial do tamanho do Brasil", motivado por resultados. "Não é só colocar astronauta, cosmonauta, taikonauta no espaço."

A declaração foi dada em São Paulo, enquanto ele apresentava a membros da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) seu projeto de gestão - com grande foco justamente no desenvolvimento de satélites. Para Câmara, o setor precisa ser valorizado, uma vez que o Brasil pode rapidamente se posicionar como um dos principais fornecedores de imagens do mundo.

"Não vamos ser atores principais no exterior quanto ao lançamento de homens ao espaço, nem quanto à participação na ISS (Estação Espacial Internacional), nem em viagens a Marte", disse o engenheiro. "O investimento (no setor espacial) tem de dar retorno, ser mensurado, para que possamos mostrar à sociedade o que é dado de volta ao que ela investiu."

Investimento alto, diga-se de passagem. A viagem do astronauta Marcos Pontes, marcada para março, custará aos cofres públicos entre US$ 10 milhões e US$ 15 milhões, pagos à Roskosmos, a agência russa.

O valor é suficiente para que um sistema de controle de órbita dos satélites seja desenvolvido por e para brasileiros. Tal tecnologia é essencial para manter o satélite na posição desejada e orientar as câmeras corretamente.

Quem tem o conhecimento não o divide. É o que fazem os chineses (que fornecem o sistema de controle de órbita no projeto sino-brasileiro CBERS, mas não ensinam para os técnicos daqui) e os russos (que vêem o Brasil como um potencial cliente de tecnologia espacial; tanto que deram desconto nos US$ 20 milhões normalmente cobrados por viagens como a que Pontes fará).

"O Brasil não está a serviço do programa espacial, como um exemplo do que pode ser no futuro, mas o programa deve estar a serviço do Brasil", afirmou Câmara. O diretor do Inpe diz que tanto a Nasa, agência americana, quanto a ESA, européia, já demonstraram interesse em comprar imagens do CBERS, uma vez que o satélite Landsat está a ponto de pendurar as chuteiras - antes que um substituto esteja a postos.

ESTRATÉGIA

A SBPC também não concorda com o investimento alto, neste momento, em missões que envolvam astronautas e a ISS. "Em 1986, já havíamos detectado que o sistema de direcionamento de satélites é uma questão estratégica. Hoje pegamos carona na tecnologia de outros", diz o presidente da sociedade, o físico Ennio Candotti.

Segundo ele, os US$ 10 milhões investidos na viagem espacial seriam suficientes para que o País obtivesse tal autonomia. Recursos humanos não seriam um problema, uma vez que há cientistas brasileiros qualificados para a tarefa. "A missão do astronauta, apesar de meritória, é como servir uma sobremesa antes de ter o prato principal pronto", afirma.

O presidente da Agência Espacial Brasileira (AEB), Sergio Gaudenzi, afirma que o dinheiro chegará - a seu tempo. O orçamento pedido para este ano, de US$ 200 milhões, seria o início do investimento em tecnologias de base, como sistemas inerciais pedidos por Câmara e Candotti.

Acontece que o valor ainda não foi aprovado e ele precisa ser dividido entre três setores: satélites, foguetes e bases de lançamento. "Se US$ 170 milhões forem aprovados, estaremos em um patamar bom para que se possa remontar um programa que ficou parado nos últimos anos", diz ele.

Enquanto isso, Gaudenzi sugere que os técnicos brasileiros captem o que puderem dos colegas chineses durante a montagem dos próximos satélites sino-brasileiros. "Se você me pergunta 'como fazer?', digo que precisamos trabalhar com eles para aprender. Os brasileiros têm de ser espertos, observar, pegar o que eles sabem."

ESTAÇÃO

Atualmente, o Brasil está comprometido a gastar de US$ 8 milhões a US$ 10 milhões por ano com a Estação Espacial Internacional. O presidente da agência brasileira espera reduzir o valor para talvez US$ 6 milhões se obtiver um processo menos oneroso na produção do equipamento que será enviado para lá.

É muito menos do que os US$ 120 milhões que o governo investiria inicialmente, em troca do envio de Pontes para o espaço. "Esse acordo inicial era claro que não poderia ser cumprido. Não podemos ter um gasto maior do que o orçamento", explica.

De acordo com ele, a participação do Brasil no projeto está em processo de análise. "Por isso, a AEB não abriu novos editais por novos astronautas."