Título: Rodada Doha ainda busca um rumo
Autor: Rolf Kuntz
Fonte: O Estado de São Paulo, 28/01/2006, Economia & Negócio, p. B4

Ministros tentam acertar roteiro para concluir as negociações até abril, mas ainda há muitas divergências

Os principais negociadores da Rodada Doha tentarão traçar hoje um roteiro para concluir até abril as grandes linhas do maior acordo comercial realizado até hoje, que envolverá cerca de 150 países e, pela primeira vez, dará à agricultura tratamento similar ao da indústria. Participarão da miniconferência ministerial, num grande hotel de Davos, ministros dos Estados Unidos, da União Européia (UE), do Brasil, da Índia e de mais uma vintena de países.

Eles terão três meses para definir as bases de um acordo tanto para o agronegócio quanto para a indústria. Se conseguirem, terão uma boa chance de completar o trabalho até o fim deste ano. Nesse curto período, devem resolver varias pendências importantes.

O comissário de Comércio da UE, Peter Mandelson, continua a cobrar do Brasil e de outras economias em desenvolvimento uma oferta de redução de tarifas para produtos industriais. Ontem, após uma reunião fechada com o chanceler brasileiro, Celso Amorim, Mandelson disse que espera não uma nova oferta, mas a primeira oferta brasileira. Segundo Amorim, a oferta foi feita no fim do ano passado, embora não por escrito.

Os dois encontraram-se de novo, poucas horas depois, numa reunião do G-6 - Estados Unidos, UE, Brasil, Índia, Japão e Austrália. Na saída, Mandelson disse que o encontro foi bom, mas ainda será preciso, nos próximos meses, um bom trabalho sobre os números relativos a acesso a mercados.

Esse comentário meio cifrado envolve mais uma divergência importante. O negociador brasileiro prefere uma fórmula geral para a redução de tarifas agrícolas. O europeu defende uma discussão produto a produto, com a fixação de um número para cada um. Essa questão, aparentemente bizantina, envolve centenas de milhões de dólares de ganhos ou perdas. A UE está reformando sua política agrícola, terá de cortar subsídios e isso mudará as condições de oferta de produtos importantes, como carne. Daí, segundo Amorim, o interesse da UE de reavaliar produto a produto as novas condições de mercado, para fixar regras específicas.

Em relação aos produtos industriais, no entanto, os europeus preferem uma fórmula geral, acrescenta o chanceler brasileiro. No caso desses produtos, as principais concessões serão feitas pelas economias em desenvolvimento, que ainda têm as tarifas mais altas.

"Estamos tentando avançar em relação não só à agricultura, mas também a outras áreas", disse, ao Estado, o ministro japonês da Economia, do Comércio Exterior e da Indústria, Toshihiro Nikai. "Concordamos que deve haver equilíbrio." O Japão tem sido um dos mais resistentes à liberalização do comércio agrícola, embora sua população pudesse alimentar-se a um custo muito mais baixo com produtos importados.

O representante dos Estados Unidos para Comércio Exterior, Robert Portman, tem-se aliado a Amorim para pressionar a UE a liberalizar seu comércio agrícola. Mas um acordo deverá envolver, além do fim dos subsídios explícitos à exportação agrícola, a eliminação ou redução de subsídios comerciais embutidos na ajuda interna aos agricultores. Esse é um argumento enfatizado pelos europeus e Portman tem mostrado concordar, em principio, com esse ponto.

A reunião de hoje deve servir essencialmente para a discussão de datas e processos, segundo os ministros que têm falado à imprensa. Eles deverão combinar, hoje, uma nova miniconferência para março. O roteiro deverá incluir vários encontros bilaterais, tudo para garantir que as chamadas modalidades do acordo sejam fixadas até o fim de abril.

Ontem, Amorim reuniu-se também com ministros do G-20, formado por emergentes e países pobres interessados na reforma do comércio agrícola, e com ministros de países em desenvolvimento não-membros do grupo.

O diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), Pascal Lamy, antecessor de Mandelson na Comissão Européia, esteve na reunião do G-6. Em sua nova função, Lamy é um dos principais interessados no sucesso da rodada e, portanto, no fortalecimento da OMC. Um novo colapso das negociações poderia ser desastroso para a entidade.