Título: Por que sobram verbas para habitação?
Autor: Lair Krähenbühl
Fonte: O Estado de São Paulo, 28/01/2006, Economia & Negócios, p. B2

Na primeira semana do ano foi notícia em boa parte dos jornais do País o fato de a Caixa Econômica Federal não ter conseguido aplicar o orçamento de 2005, de R$ 10,9 bilhões. Não faltam justificativas e até mesmo algumas acusações em relação ao ocorrido. Afinal, diante de um déficit de mais de 7 milhões de moradias em âmbito nacional, sobrar dinheiro na gaveta para habitação é, no mínimo, politicamente pouco racional.

Dentre as acusações - ou queixas, para empregar um termo mais adequado -, existem pontos procedentes. O principal deles: a sobra de dinheiro se deve ao fato de a Caixa, inclusive em razão da ausência de políticas públicas, não ter dado prioridade à produção formal de moradias.

Dos R$ 5,4 bilhões dos recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) destinados à habitação, 55% foram direcionados para a aquisição de cestas de material de construção e de imóveis usados. Ninguém duvida de que é preciso atender a essa demanda, mas é inevitável admitir que não é dando prioridade a essas operações que vamos diminuir o déficit habitacional, criar mais empregos formais, renda, enfim, movimentar a economia.

Houve, no entanto, outros aspectos que prejudicaram o desempenho esperado por nós e pela própria Caixa. Por exemplo: as regras para utilização dos descontos do FGTS (R$ 1,2 bilhão) só começaram a funcionar em maio do ano passado. Essas regras são fundamentais para a produção de empreendimentos que envolvam contrapartidas do poder público (terrenos, infra-estrutura, mão-de-obra, etc.) para a construção de moradias.

Além da evidente falta de articulação entre as três esferas governamentais, problemas relativos à regularização fundiária e outros entraves comprometeram as operações. Tais fatos reafirmam a necessidade de medidas para simplificar os procedimentos sem perder de vista a legalidade do processo construtivo e, assim, garantir maior velocidade a essas operações, de forma a atender a um número cada vez maior de famílias com renda de até cinco salários mínimos.

No tocante às operações do mercado imobiliário, é importante lembrar que, demandada pelo setor, a Caixa montou uma estrutura para atendimento às construtoras e incorporadoras. Hoje existem mais de 30 gerentes de projeto, cuja especialização permite dinamizar os processos. Essa estrutura, todavia, só começou a funcionar em setembro do ano passado. Ou seja, seus efeitos se farão sentir mais intensamente a partir de 2006.

Adicione-se, ainda, que os feirões de imóveis realizados em diversas localidades do País em setembro e outubro de 2005 também não foram suficientes para "consumir" substancialmente o orçamento da Caixa. Aliás, há negócios entabulados naquela ocasião que somente estarão materializados este ano.

Outro ponto importante se refere ao poder de compra da população. Ao considerarmos o período de outubro de 2004 a setembro de 2005, verificaremos que o rendimento real dos brasileiros cresceu apenas 1,96%.

Na avaliação do Secovi-SP, estes seriam os motivos mais consistentes para justificar a não-realização do orçamento de R$ 10,9 bilhões pela Caixa. Apesar disso, há que se considerar que a instituição aplicou 79% de seu orçamento em habitação (cerca de R$ 8 bilhões), volume este 35% superior aos R$ 6 bilhões aplicados em 2004 (um incremento nada desprezível).

Para este ano, a Caixa pretende começar com a disponibilidade imediata de R$ 10,3 bilhões, não considerados aí os recursos do orçamento-geral da União. Sem dúvida alguma, esses números lhe impõem o desafio de atuar de forma ainda mais competente e eficaz para poder transformar esse volume de recursos em novas moradias legais, tetos mais dignos e infra-estrutura urbana. Como muitas condições já estão criadas, o setor quer acreditar que mais uma vez a instituição terá papel decisivo no combate ao déficit habitacional e, espera-se, com participação ainda maior das empresas da indústria imobiliária.