Título: 'Os pobres perderam a paciência'
Autor: Fernando Dantas
Fonte: O Estado de São Paulo, 28/01/2006, Economia & Negócios, p. B1

Para Rato, diretor-gerente do FMI, o desafio da América Latina é obter crescimento com distribuição de renda

A América Latina precisa de uma agenda de crescimento, e a desigualdade da região está contaminando o ambiente político, afirmou ontem o diretor-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), Rodrigo de Rato, no Fórum Econômico Mundial. "Os pobres da América Latina perderam a paciência", ele afirmou, durante a tradicional ceia latino-americana em Davos.

Para Rato, o desafio da região, depois de atingir a estabilidade macroeconômica, é crescer e distribuir renda: "Neste momento de eleições, é preciso uma agenda de crescimento".

Ele pediu licença para "citar uma coisa negativa da América Latina", e emendou: "É a desigualdade de renda, que está afetando o ambiente político."

Segundo Rato, a América Latina não pode se especializar só na exportação de commodities, mas tem de aumentar suas vendas internacionais e exportar também produtos industrializados.

Rato não fez nenhuma referência direta a presidentes populistas, como Hugo Chávez da Venezuela e Evo Moralez da Bolívia. Mas, no contexto no qual foram feitos os comentários, ficou claro que era do ressurgimento do populismo que falava.

Quase todos os palestrantes do evento, cujo título este ano foi "A América Latina na Encruzilhada", repisaram os pontos que tinhm sido citados por Rato: conquistada a estabilidade, chegou a hora de crescer e distribuir.

O diretor-gerente do FMI frisou que é fundamental manter as conquistas da estabilidade na maioria dos países latino-americanos, como inflações de só um dígito e dívida públicas sobre controle.

"Sacrificar as conquistas macroeconômicas não leva ao crescimento", declarou Rodrigo de Rato.

Mas isso não basta, de acordo com o diretor-gerente do Fundo. "É preciso crescer mais e entrar no radar dos investidores internacionais", acrescentou, defendendo que os países da região retomem a agenda de reformas financeiras, na economia real e no mercado de trabalho.

Rato disse também que os países da região precisam melhorar a eficiência dos gastos sociais e aumentar os investimentos.

Ele citou ainda como problema a situação de muitos países da região (mas que é o contrário do que ocorre no Brasil), de bases tributárias bem pequenas, que em alguns casos não chegam a 13% do PIB.

'CHEIRO DE AUTORITARISMO'

A ceia latino-americana teve como apresentador e moderador Arminio Fraga, ex-presidente do Banco Central.

De certa forma, ele deu o tom das discussões, quando se referiu "ao cheiro de populismo, e até de autoritarismo, no ar" na região.

Após sua rápida introdução, houve uma sucessão de breves apresentações por políticos e economistas, como o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, os ministros do Desenvolvimento, Luiz Fernando Furlan, e da Cultura, Gilberto Gil, o secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), José Miguel Insulza, o secretário de Comércio americano, Carlos Gutierrez, e o economista John Williamson, que cunhou a expressão "Consenso de Washington", para referir-se às política pró-mercado adotadas por muitos países latino-americanos nos anos 90.

Outro tema citado por Rato e outros palestrantes é de que é preciso governos de coalizão na América Latina, com maiorias parlamentares estáveis.

Se isso não for obtido, disse Rato, vários países perderão legislaturas inteiras sem que as reformas fundamentais para a retomada do crescimento sejam realizadas.

O chileno Insulza citou o consenso obtido em torno de várias políticas públicas como uma das razões do sucesso do seu país, que foi citado várias vezes como o único latino-americano que conseguiu crescer a um ritmo aceitável depois de ter estabilizado na economia.