Título: Um sacrifício de todos para cobrir o gasto do governo
Autor: Sérgio Gobetti e Ribamar Oliveira
Fonte: O Estado de São Paulo, 31/01/2006, Economia & Negócios, p. B1

Superávit primário é a parcela da arrecadação destinada ao pagamento da dívida. Obriga a sociedade a se sacrificar para atender às exigências do credor. É como na vida. Se a dívida é alta demais, é preciso separar um pedaço maior do salário para amortizar a dívida. É menos dinheiro para o gasto da família. E isso dói. Dívida é rombo acumulado.

A dívida pública reflete a enorme propensão do governo a gastar demais. Em dezembro, ultrapassou R$ 1 trilhão. Corresponde a 51,6% do PIB que, em dezembro, estava calculado em R$ 1,9 trilhão. PIB, ou Produto Interno Bruto, é a renda nacional ao longo de um ano; é o salário do Brasil inteiro no período.

Se pudesse ser paga em prestações a perder de vista, uma dívida correspondente à metade do salário, como essa aí, não seria nem um pouco preocupante. No passado, o governo tantas fez e tantos calotes passou que essa dívida passou a ter dois problemas: está fortemente concentrada no curto prazo e custa caro.

Ao longo de 2006, os Tesouros (federal, estaduais e municipais) terão de pagar 40,1% do que devem. Na prática, não pagam; rolam a dívida. O preço da dívida são os juros. Nada menos que 48,4% da dívida estão amarrados aos juros básicos, os que o Copom define. Se os juros aumentam para combater a inflação, aumenta também a despesa com juros. Isso não teria de ser assim.

Na maioria dos países, os juros são fixos; são os que vão no contrato do lançamento dos títulos. Esse problema já foi pior: no início de 2005, nada menos que 52,6% da dívida estava atrelada à Selic.

Ao contrário do que aconteceu no passado, o principal credor dessa dívida não são os bancos ou miseráveis usurários. É quem tem um dinheiro aplicado em fundos de renda fixa.

Passar calote significaria garfar dinheirinho suado da classe média aplicado no banco.

Para controlar o crescimento da dívida, não teria bastado que os governos gastassem só o que arrecadassem. Como os juros são o que são, é preciso um superávit primário.

No governo Fernando Henrique, o superávit combinado com o Fundo Monetário Internacional foi de 3,5% do PIB. O governo Lula entendeu que precisava reforçá-lo para 4,25%. Em 2005, foi mais alto, de 4,84%, ou R$ 93,5 bilhões, em parte porque o governo não conseguiu gastar tudo o que tinha para isso; e, em parte, porque os governadores guardaram dinheiro para queimar em obras eleitorais neste ano. Em 2005, apesar do superávit primário mais alto, a despesa com juros foi ainda maior, foi de 8,13% do PIB ou de R$ 157,8 bilhões. Como o superávit primário não dá conta nem das despesas com juros, os críticos chamam a isso de "operação enxuga gelo".