Título: Palestinos se perguntam: e agora?
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Fonte: O Estado de São Paulo, 28/01/2006, Economia & Negócios, p. A17

Muitos temem que o Hamas promova mudanças sociais e adote um governo rigoroso com base na lei islâmica

A cidade de Ramallah na Cisjordânia, o quartel-general político da Fatah, foi dormir na quarta-feira ao som de disparos de armas de fogo comemorativos, enquanto jovens seguidores do partido saiam de carro nas ruas celebrando os resultados das pesquisas de boca-de-urna que indicavam a vitória deles. Na manhã de quinta-feira, a euforia transformou-se em choque, enquanto os palestinos tentavam avaliar os efeitos da vitória do Hamas.

O que vai acontecer agora foi a pergunta feita com mais freqüência na mais secular das cidades palestinas. Poucas pessoas tinham respostas, mas várias fizeram brincadeiras, dizendo que vão tomar seu último drink antes que as bebidas alcoólicas sejam proibidas pelo movimento islâmico que conquistou quatro de cada cinco cadeiras na cidade, antes um reduto da Fatah.

Bassem Khoury, um cristão que é proprietário de um restaurante, disse temer que os cristãos sejam perseguidos e a corrupção entre os políticos da Fatah seja substituída pela corrupção do Hamas.

"Não vejo problemas nos primeiros seis meses, no primeiro ano. Mas, uma vez que se sintam confortáveis em suas posições, talvez promovam uma mudança social que obrigará minha mulher a usar um véu na cabeça e uma túnica", disse.

"Se eles declararem que a lei secular vai predominar sobre a lei islâmica ficarei tranqüilo, mas se eles adotarem a lei islâmica, me mudarei daqui. Não são somente os cristãos que estão com medo. Os muçulmanos moderados, que levam uma vida moderna, também estão temerosos."

Segundo Khoury, o filho de um líder do Hamas jantou em seu restaurante esta semana. Ele não bebeu, mas sentou-se ao lado de prateleiras de vinho. "Ele disse que eu não tinha nada com que me preocupar porque o Hamas respeitaria as liberdades individuais, mas sei que não tem sido assim na Faixa de Gaza", acrescentou Khoury.

Nas proximidades, Mahmoud Muhammad, de 28 anos, esperava diante de uma mesquita pelo começo do desfile de vitória do Hamas.

"Estou abismado com nossa vitória. As coisas só poderão melhorar para o povo palestino. Quero que o Hamas forme um governo e não quero nenhuma parceria com a Fatah. Temos as mãos limpas, assim todo o dinheiro que recebermos irá diretamente para o povo e não para o bolso dos corruptos. Nem todos nos consideram terroristas e temos nossas formas de levantar dinheiro", disse ele.

Muhammad juntou-se às multidões que marchavam na direção do edifício do Parlamento, onde o Hamas agora tem maioria. Partidários subiram nos muros e substituíram as bandeiras palestinas pelas verdes do Hamas.