Título: Cabo (eleitoral) de guerra
Autor: Dora Kramer
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/02/2006, Nacional, p. A6

A corrupção estrelou praticamente sozinha a cena política de 2005 e seria, em tese, o tema principal da campanha eleitoral deste ano. A fim de se antecipar ao prejuízo, o PT e o governo iniciaram 2006 com o firme propósito de disseminar a idéia de que a ética não estará no centro do debate, pois os efeitos da crise já se esgotaram, perdas e ganhos foram devidamente contabilizados, nada de novo surgirá nesse terreno e, portanto, a questão essencial em disputa na eleição será a capacidade administrativa dos candidatos.

É uma maneira de ver as coisas com a qual, entretanto, não concorda a oposição.

A ofensiva para repor a corrupção na berlinda teve seu primeiro grande lance comandado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, ao lançar, na segunda-feira, a palavra de ordem "ladrão não mais". No dia seguinte, o governador de São Paulo e pré-candidato, Geraldo Alckmin, seguiu a toada e chamou o governo de "eticamente frouxo".

Temos, então, estabelecido o seguinte cenário na ante-sala da campanha: o PT empurra para fora e o PSDB puxa o assunto para dentro da roda, no intuito de submeter o adversário a um julgamento moral, contando com a vantagem de poder explorar a contradição do passado petista de partido da ética.

Evidentemente é o eleitorado que decidirá no desenrolar da campanha se o tema terá a importância ou a desimportância respectivamente pretendidas por um e por outro, mas o cabo-de-guerra em torno da corrupção como tema eleitoral está posto, embora ambos os partidos tenham suas dificuldades nesse campo.

Para ficar só nos exemplos recentes, os tucanos se enfraquecem para cobrar moral do adversário quando inauguram a prática de participar explicitamente de acordos para inocentar parlamentares acusados de quebra de decoro parlamentar e o governo perde autoridade ao continuar trabalhando para atrapalhar o trabalho das comissões de inquérito.

A contar pelo gesto recente de FH, o PSDB avalia que o PT tem mais a perder e, por isso, vale a pena manter o ataque na direção da cobrança ética. Nem todos no partido concordam. O governador de Minas Gerais, Aécio Neves, deve ter sido voto vencido na decisão que pautou a declaração de Fernando Henrique, pois discorda.

Aécio acha o tema da corrupção secundário e é adepto do discurso da eficiência administrativa. Para ele, é nesse ponto que o governo deve ser questionado, é com o discurso da eficácia que o PSDB deve se apresentar ao eleitor.

"A crise tem peso, mas não o suficiente para definir o voto do eleitor. O PSDB não pode perder o trunfo de ter conseguido, em três anos como oposição, se firmar como alternativa de governo, e para isso deve privilegiar as questões relativas ao desempenho", argumenta o governador.

No PT, o pensamento preponderante considera que os tucanos não sustentam a batalha no campo das denúncias, pois também sofreriam prejuízos no contra-ataque do adversário.

"Temos munição bastante e já perdemos tudo o que tínhamos a perder em matéria de prejuízo moral", diz o ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha, que, a despeito de integrar a lista de cassações, confia na absolvição e participa ativamente das articulações políticas com vistas à reeleição de Lula.

Outros dois partidos importantes no processo eleitoral, PMDB e PFL, observam a luta a prudente distância, mas com visões e objetivos diferentes.

Os pemedebistas querem ficar longe do assunto para ver se colhem os frutos caso a guerra entre PT e PMDB seja de extermínio mútuo.

Os pefelistas apóiam o ataque moral e lembram o peso da tradição: Fernando Collor se elegeu desmoralizando José Sarney, a quem chamava de "batedor de carteira da História", e Lula chegou ao poder depois de uma vida dedicada a anarquizar seus adversários, para todos os efeitos "picaretas" produtores de "maracutaias" em série.

Nada pessoal

A convocação daquela senhora promotora de eventos lúdicos para poderosos é defendida pela senadora Heloísa Helena, mas conta com o repúdio da ala masculina da CPI dos Bingos.

O argumento - ponderado até - para não abrir o microfone da CPI a Jeanny Mary Corner, é o da inadequação da abordagem de temas de caráter pessoal em assuntos que dizem respeito ao poder público.

O senador Demóstenes Torres, o primeiro a falar o nome dela no âmbito das investigações de corrupção, também é contra. Diz que revelou sua existência no intuito exclusivo de mostrar que o PT não usava as contas de Marcos Valério só para abastecer os caixa 2 de campanhas.

Bumerangue

O ministro Nelson Jobim alega razões técnicas para barrar a quebra dos sigilos do amigo do presidente Paulo Okamoto, mas os efeitos de sua decisão serão políticos.

O mais imediato deles, realimentar um assunto já quase esquecido.