Título: 'Os países islâmicos acabarão nos apoiando financeiramente'
Autor: Expedito Filho
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/02/2006, Internacional, p. A9

Pouco depois das cinco da tarde de ontem, horário de Israel, Ismail Haniye, de 44 anos, um dos principais líderes do Hamas, deixou sua casa em Beach Camp, na Faixa de Gaza, para participar de um cerimônia religiosa com dezenas de mulheres muçulmanas, vestidas com chador preto em sua grande maioria.

Foi uma espécie de celebração da vitória que o Hamas conquistou nas urnas na semana passada. Contrariando todas as pesquisas de opinião, o grupo, que nunca havia participado das eleições parlamentares palestinas, ficou com 57% das cadeiras.

Haniye agradeceu a todos que o apoiaram, reconheceu que tem um grande desafio pela frente, mas procurou se mostrar confiante. Calmo, voz pausada como se fosse de um pastor, Haniye não demonstra ser o líder de um grupo terrorista. Nos últimos anos, o Hamas matou mais de 400 israelenses em atentados.

"Nós estamos muito satisfeitos com o processo democrático", disse para as fiéis. Contou que já recebeu apoio de vários países, membros da comunidade islâmica, e a Autoridade Palestina não sofrerá problema de falta de financiamento. Estados Unidos e União Européia ameaçam cortar a ajuda internacional à Autoridade Palestina caso o Hamas não renuncie à violência e não reconheça o direito de Israel existir.

Logo depois do encontro com as mulheres muçulmanas, Haniye conversou na porta da sua casa com a reportagem do Estado. Surpreso coma presença de um jornal brasileiro nos territórios palestinos, Haniye segurou na mão do repórter, deu alguns passos e aceitou conceder a entrevista. Por cautela, o líder do Hamas tinha decidido passar os últimos dias tratando exclusivamente das negociações sobre a formação do ministério do qual ele será, provavelmente, o primeiro-ministro.

Durante a conversa, o líder do movimento de resistência islâmica disse não acreditar que a comunidade internacional deixará de amparar financeiramente os palestinos por se tratar de uma questão de segurança para o mundo.

O que aconteceria se os Estados Unidos e a União Européia parassem de financiar o governo da Autoridade Palestina por causa da ascensão do Hamas?

A comunidade internacional não vai parar de financiar a Autoridade Palestina porque está pagando os salários das forças de segurança e dos trabalhadores. Os países islâmicos acabarão nos apoiando. Recebi muitas manifestações de apoio e não estou com receio de não ter o apoio internacional.

O Hamas pretende negociar com Israel?

O problema é a ocupação. Se não existisse a ocupação, não teríamos qualquer problema com Israel.

O Hamas pretende mudar o manifesto em que prega a destruição de Israel?

O problema, mais uma vez, é a ocupação. Israel atacou os palestinos, destruiu suas casa , tomou suas terras e suas fazendas. Não estamos destruindo eles, mas nos defendendo dos ataques.

O que aconteceria se, por exemplo, a Jihad Islâmica decidir atacar Israel? O senhor condenará este ataque?

Vamos nos reunir com todas as facções e todos os movimentos. Vamos fazer um acordo com todos eles. Vamos usar a linguagem do diálogo. Somos um povo sob ocupação. Nós temos o direito de existir.

O governo que o Hamas está formando será técnico? Terá figuras como o ministro da Economia Salam Fayyard?

Vamos formar uma amplo governo. Temos pessoas capacitadas em muitos campos dentro do Hamas e fora do Hamas.

O senhor vai mudar o sistema de educação?

Não vou mudar tudo. Também não vou mexer em todas as coisas do governo. Na educação, nós queremos que melhore.