Título: Hamas não condenará ataques
Autor: Expedito Filho
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/02/2006, Internacional, p. A9

O grupo Hamas, que ganhou as eleições parlamentares palestinas na semana passada, anunciou que não incentivará, mas também não condenará casos em que a Jihad Islâmica ou qualquer outro grupo palestino venha a atacar Israel com homens-bomba ou armas convencionais. "Claro que não condenaremos", disse o porta-voz do Hamas, Samy Abu Zuhri, ao ser indagado sobre a possibilidade. Na sua avaliação, mesmo sendo o momento errado para ações desse tipo, o problema que persiste é que o território palestino continua ocupado. Ele disse que o Hamas tem usado o diálogo "para administrar a resistência de outros grupos palestinos contra Israel" - no caso ele se referia ao diálogo com os grupos que querem continuar atacando Israel.

A afirmação foi feita em entrevista concedida por Zuhri ao Estado, ontem, em Gaza, logo após encontro entre os principais deputados eleitos pelo Hamas com o provável futuro primeiro-ministro da Palestina, Ismail Haniye, que encabeçava a lista do grupo na eleição.

Horas depois dessa declaração, a Jihad Islâmica lançou foguetes contra o sul de Israel, ferindo um israelense. O grupo justificou sua ação como reação à morte de um de seus líderes, ontem, num ataque das tropas israelenses na Cisjordânia.

Durante a reunião do Hamas, os representantes do grupo discutiram de que forma se comportarão frente à decisão de Israel de não repassar o pagamento dos impostos para a Autoridade Palestina por temer que o dinheiro seja usado pelo novo governo em ações terroristas. Ao final do encontro, Abu Zuhri disse que a expectativa é a de que a comunidade internacional apóie o novo governo.

"Nós teremos o apoio da comunidade internacional por que os países acabarão mudando o ponto de vista errado que têm sobre nós", disse. Ele ressalvou, contudo, que caso a Autoridade Palestina não venha a contar mais com a ajuda financeira de alguns países, como os EUA e membros da União Européia, isso não será grande problema, já que outras nações se mostraram dispostas a substituir os que desistirem. Mas não citou quais seriam os novos aliados.

Abu Zuhri disse ao Estado, que nem sequer uma proposta de trégua pode ser colocada agora na mesa de negociações, enquanto a ocupação da "Palestina" se mantiver, mas ressalvou que soluções como essa somente podem ser estudadas e discutidas no futuro. O porta-voz do Hamas disse que os palestinos não estão pedindo que o Ocidente mude e aceite suas posições, porém negou que a sua organização seja radical e que exija pela força que os palestinos adotem uma postura religiosa ortodoxa.

"Não ganhamos mais de 60% dos votos forçando as pessoas a mudarem as suas crenças. O que nós fizemos foi convencê-las, foi aconselhá-las a seguirem Deus", disse.

A desconstrução da imagem de organização terrorista tem sido a principal preocupação do Hamas. O Hamas diz que resiste à ocupação ao tentar justificar a série de atentados que cometeu contra civis de Israel. Mesmo chegando ao poder, o grupo ainda vive como se estivesse na clandestinidade. A entrevista de Zuhri foi concedida em um prédio ainda em construção, sem piso, corrimão, ou qualquer tipo de acabamento.

Ali, dois homens armados com metralhadoras jogadas em duas poltronas, receberam os repórteres. O Hamas ocupa dois andares do prédio, com mobiliário e infra-estrutura, como se a construção já tivesse terminado. Foi dali que Abu Zuhri entrou ao vivo em cadeia para uma rede de TV do mundo árabe. Estava de terno escuro, gravata de listras, sapatos pretos lustrados e não trazia qualquer referência que o ligasse a uma organização terrorista.

Mesmo dizendo que não falaria da composição do novo governo, o porta-voz informou que ela será o mais ampla possível. "Mas não vou falar de nomes. Não existe nada de verdadeiro nos nome que estão na mídia", disse em alusão à pergunta sobre a possibilidade de Salam Sayyad, ministro da Economia do governo da Fatah, permanecer no governo. Ele disse que a vitória sobre a Fatah nas últimas eleições não chegou a ser uma surpresa, mas o tamanho dela é que foi surpreendente.