Título: Greenspan, o adeus do símbolo
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Fonte: O Estado de São Paulo, 01/02/2006, Economia & Negócios, p. B1

Foi um jantar de despedida na Casa Branca que só Alan Greenspan poderia ter arranjado. Na noite de segunda-feira, no salão azul, tendo o presidente Bush como anfitrião, dezenas de amigos íntimos de Greenspan se reuniram para brindá-lo antes que ele se aposentasse como presidente do Federal Reserve.

Mas foi a lista de convidados, velhos amigos que Greenspan pediu que a Casa Branca convidasse, que ressaltou sua estatura tanto como um ícone quanto como um iconoclasta. Numa mesa estava o vice-presidente Dick Cheney, o inflexível combatente da Casa Branca de Bush, cuja amizade com Greenspan começou há 30 anos, no governo Ford.

Mas a poucas mesas de distância, estava Robert Rubin, o secretário do Tesouro do presidente Bill Clinton e um homem tão detestado na Casa Branca de Bush que muitos funcionários do alto escalão usam seu nome como um insulto zombeteiro - rubinômica.

A lista de convidados incluiu, também, Vernon E. Jordan Jr., o advogado milionário e onipresente consultor de líderes democratas, e Peter G. Peterson, republicano que enfureceu a Casa Branca ao desancar os déficits orçamentários de Bush.

A lista revela como Greenspan, apesar de ter sido a vida toda um republicano, tem um dom para fazer amigos ao longo do espectro político. E algo quase sem precedentes da capital amargamente dividida de hoje - fez poucos inimigos nos seus 18 anos de gestão.

"Ele gosta de ser desafiado por pessoas inteligentes", disse Andrea Mitchell, a esposa de Greenspan, que é correspondente da NBC News. Aos 79 anos, Greenspan deixou ontem o cargo de maestro do Fed e passou o posto econômico mais poderoso do mundo para Ben S. Bernanke, ex-diretor do Fed e professor de Economia em Princeton.

Depois de um mandato mais longo do que qualquer outro presidente do Fed com exceção de William McChesney Martin Jr. (que deteve o cargo desde 1951 até 1970), a partida de Greenspan será uma transição histórica. Bernanke, confirmado ontem pelo Senado, tende a introduzir uma nova era no Fed, uma era menos personalizada, menos idiossincrática e talvez menos misteriosa.

Greenspan é quase uma instituição em Washington - onipresente nas festas e um distribuidor constante de conselhos sobre economia a membros do Legislativo e presidentes, independentemente do partido que estiver no poder. Num brusco contraste, Bernanke quase não tinha laços políticos até alguns anos atrás. Muitos de seus amigos mais próximos disseram que nunca perceberam que ele é republicano.

Bernanke já disse a parlamentares que manterá um perfil político discreto. Onde Greenspan se atolava em explosivos debates políticos sobre a Previdência Social e as reduções de impostos, Bernanke prometeu permanecer em silêncio sobre questões que não estejam diretamente ligadas à política monetária.

Bernanke defende uma maior abertura e desmistificação no Fed. Gostaria de ancorar publicamente suas políticas a uma meta inflacionária específica - uma idéia a qual Greenspan se opõe porque pode restringir o espaço de manobra do Fed.

Apesar de toda a perspicácia de Greenspan, da sua visibilidade nas festas e de sua aptidão para criar expressões interessantes como "exuberância irracional", muitos veteranos da política econômica dizem que é um erro pensar que ninguém é capaz de ocupar o lugar dele.

"Greenspan desempenhou dois papéis em Washington - o de presidente do Fed e o de sábio da economia", disse Gene B. Sperling, consultor econômico de Clinton. "É preciso muita perspicácia política para se elevar ao nível de um sábio da economia, mas não creio que seja necessário tanto simplesmente para ser um bom presidente do Fed."

Greenspan não desaparecerá. Planeja escrever um livro e fundar uma empresa de consultoria, a Greenspan Associates. E embora planeje tratar de economia, prometeu evitar palpite sobre política monetária.

Mitchell, sua esposa, disse que recentemente ele começou a descobrir como pesquisar na internet e ainda está no processo de obter um e-mail. "Ele passou a vida inteira tentando compreender como a economia é organizada e não vai parar agora."

Ainda precisamos saber se os antecedentes de Bernanke como acadêmico levarão a um estilo de liderança diferente no Fed. A abordagem de Greenspan tem sido tanto como questão de arte como de ciência e seus instintos e insights frustram explicações simples. Embora não há nada que Greenspan goste mais do que processar números, era cético em relação a modelos econômicos e preferia procurar "anomalias" que indicavam novas verdades.

Seu exemplo mais famoso foi ter reconhecido, muito antes da equipe no Fed, que a produtividade estava subindo muito mais depressa do que os números oficiais mostravam. Greenspan, que provou isso processando seus próprios números, uma vez comparou sua tarefa àquela dos cientistas que inferiram a existência do planeta Plutão sem vê-lo.