Título: Estrangeiros reforçam apostas na televisão digital brasileira
Autor: Renato Cruz
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/01/2006, Economia & Negócios, p. B10

Perto de uma decisão, governo recebe missões e enfrenta o desafio de conciliar interesses conflitantes

Trata-se de um mercado para lá de promissor, que pode movimentar US$ 100 bilhões em 10 anos. Com o governo próximo de tomar uma decisão, os interesses internacionais se voltam a Brasília e a administração federal se vê obrigada a administrar interesses e visões conflitantes, entre emissoras, fabricantes e entre os próprios ministros, ao tratar de uma questão politicamente delicada - a televisão - num ano eleitoral.

Terça-feira, chega a Brasília uma missão liderada pela comissária para a Sociedade da Informação e Mídia da Comunidade Européia, Viviane Reding, que inclui dirigentes de grandes indústrias do Continente, para defender a adoção de sua tecnologia para a TV digital brasileira. A visita dura dois dias. Na semana passada, passaram por lá os representantes do Fórum ATSC, sistema americano. Os japoneses também estão para desembarcar no País, apesar de o Ministério das Comunicações afirmar que ainda não há nenhuma reunião marcada.

O Brasil estuda três opções tecnológicas: o sistema japonês ISDB, o europeu DVB e o americano ATSC. Além disso, existe todo o trabalho feito por consórcios locais de pesquisa para o Sistema Brasileiro de Televisão Digital (SBTVD). Na negociação internacional, o trabalho dos pesquisadores brasileiros será jogado fora? O governo (ou pelo menos parte dele) diz que não: os estrangeiros que aceitarem incorporar a maior parte da pesquisa local a seu padrão, e garantir a sua continuidade, terão mais chance de levar. O Ministério das Comunicações não chegou a elencar o fator como determinante.

Uma parte importante das emissoras brasileiras defende o ISDB japonês, o único sistema preparado para fazer a transmissão de sinais de vídeo para celulares no mesmo canal que atende aos televisores. A adoção do sistema reduziria a possibilidade de as operadoras de telecomunicações competirem com as emissoras, no atual cenário de convergência tecnológica. O ministro das Comunicações, Hélio Costa, não esconde sua preferência pelos japoneses. Ele é festejado entre os radiodifusores como alguém que entende de televisão. Acionista de uma rádio em Barbacena (MG), sua cidade natal, Costa foi repórter do "Fantástico" e chefe da Sucursal da Rede Globo nos Estados Unidos.

Para fazer contraponto à posição de Hélio Costa e de grandes redes de televisão, fabricantes e grupos interessados na TV digital têm procurado outras lideranças dentro do governo, como a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Roussef, e o ministro do Desenvolvimento, Luiz Fernando Furlan, além de parlamentares. O deputado Walter Pinheiro (PT-BA) afirmou que o Congresso irá sugerir ao governo adiar a decisão de fevereiro para junho.

Na terça, haverá uma reunião ministerial para discutir a TV digital. Está marcada para 10 do mês que vem a entrega de um relatório elaborado pelo Centro de Pesquisas e Desenvolvimento em Telecomunicações (CPqD), sob encomenda do Ministério das Comunicações, com os subsídios necessários para a escolha. Daí, a decisão passa para as mãos do presidente Lula que, se confirmado candidato, teria de ter muita coragem para contrariar as grandes redes de TV.