Título: Um sonho que rende US$ 4 bi ao Brasil
Autor: Mariana Barbosa
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/01/2006, Economia & Negócios, p. B9

Remessa de brasileiros que saíram do País foi recorde no ano passado

Trabalhar duro no primeiro mundo para realizar o sonho da casa própria e bancar a educação dos filhos. O percurso de Meire Agena e Carlos Alberto Fratucci, que retornaram ao País no mês passado, depois de 11 anos apertando parafusos e carregando cimento no Japão, é conhecido de milhares de brasileiros. Ao remeter parte da renda a familiares no Brasil, os brasileiros emigrados ¿ cerca de 3 milhões, nas estimativas do Itamaraty ¿ contribuíram para movimentar a economia com US$ 4,05 bilhões no ano passado, um recorde, de acordo com o Banco Central (BC). No ano anterior, o envio de recursos foi de US$ 3,58 bilhões.

A quantia surpreendeu o mercado, uma vez que o número de brasileiros no exterior se manteve relativamente estável e o real, muito valorizado, desestimula as transferências. A explicação, segundo o BC, está em mudanças recentes na legislação, desburocratizando as remessas, e no aumento da competição entre os bancos brasileiros no exterior.

Com tarifas mais baratas, muitos brasileiros que enviavam dinheiro no bolso de parentes, escondido no meio de cartas, ou por meio de agências ilegais, passaram a fazer remessas formais. O crescente número de assaltos, sobretudo aos dekasseguis e seus familiares, também tem contribuído para aumentar as transferências interbancárias.

Além do enorme volume de recursos remetidos formalmente ¿ mercado liderado pelo Banco do Brasil ¿, os bancos estão de olho no potencial do mercado que hoje opera na informalidade. Segundo dados do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), cerca de US$ 2 bilhões foram remetidos para o Brasil ilegalmente em 2004.

Para atrair esse volume de recursos, os bancos brasileiros estão abrindo agências no exterior e firmando convênios com correios, bancos estrangeiros e empresas especializadas em transferências.

Pioneiro nesse mercado, o Banco do Brasil foi responsável direto pelo ingresso de US$ 1,1 bilhão no ano passado. Desse total, US$ 900 milhões foram enviados por brasileiros que moram no Japão. Outros tantos milhões ¿ números que o banco não revela ¿ entraram no País por meio de um convênio do BB com a Western Union, empresa de transferência de recursos com 225 mil pontos-de-venda.

De uma comunidade de 280 mil dekasseguis ¿ brasileiros que vão trabalhar temporariamente no Japão ¿, 105 mil são clientes do BB. ¿Estamos no Japão há 34 anos, mas nos últimos 15 anos temos voltado nossas atenções para essa comunidade, oferecendo uma gama de produtos e serviços¿, afirma o diretor da Área Internacional do BB, Augusto Braúna.

Além de 7 agências e escritórios nas cidades onde há maior concentração de brasileiros, o BB tem um acordo com o correio japonês ¿ 25 mil caixas automáticos ¿ e com o Banco Sumitomo ¿ 6,5 mil pontos de auto-atendimento.

Nos últimos dois anos, outros bancos começaram a descobrir esse filão. O Itaú firmou parceria com o MoneyGram, principal concorrente da Western Union nos Estados Unidos, e abriu uma agência em Tóquio, inaugurada em outubro de 2004. Em Portugal, o banco opera em parceria com o BPI.

Mais agressivo, o Bradesco entrou no mercado japonês há seis meses, em parceria com um de seus acionistas, o Bank of Tokyo-Mitsubishi UFJ. Além de uma agência dentro de uma agência do UFJ, os clientes do Bradesco têm à disposição 6 mil caixas automáticos com opção de tela em português, além de 40 atendentes bilíngües que operam em um serviço do UFJ de videofone público com computador, no qual é possível conversar com a atendente e realizar transferências.

Como o sistema financeiro japonês não permite a entrada de bancos estrangeiros, a parceria funciona como uma porta de entrada dos dekasseguis ao mercado japonês. ¿Queremos bancarizar os dekasseguis, que estão à margem da sociedade japonesa¿, afirma o diretor-executivo de Corporate do Bradesco, Cristiano Belfort.

Juntos, os dekasseguis ganham US$ 12 bilhões por ano, dos quais US$ 8 bilhões são gastos em consumo no próprio Japão. ¿Como estamos integrados ao sistema financeiro japonês, podemos oferecer conta corrente, financiamento de casa própria, poupança, entre outros.¿ Em seis meses, o Bradesco conseguiu 18 mil clientes. ¿Queremos chegar a 60 mil em dois anos¿, diz Belfort.