Título: Risco cambial zero ajuda blindagem contra crises
Autor: Adriana Fernandes, Fabio Graner
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/01/2006, Economia & Negócios, p. B6

Brasil está perto de somar créditos em moeda estrangeira equivalentes ao total da dívida externa

O governo está prestes a concluir a mais robusta blindagem que o País já teve contra riscos do mercado financeiro internacional. Por volta de março, segundo previsão do mercado, o Tesouro Nacional terá acumulado créditos em moeda estrangeira em valor equivalente a toda a dívida externa do País.

Na linguagem dos técnicos, será uma inédita situação de exposição cambial zero. Assim, se houver uma crise que faça o dólar disparar, como ocorreu muitas vezes nos anos 90, o risco de o País ter um rombo nas transações com o exterior é pequeno. "Falta muito pouco", disse, ao Estado, o secretário do Tesouro, Joaquim Levy. "Estamos perto de ficar com nossa exposição cambial externa neutra."

Apesar de ser uma situação bem mais confortável que a dos últimos anos, o fim da exposição cambial não representa uma segurança total contra crises internacionais. O que o Brasil envia anualmente para o exterior como pagamento de serviços (juros, royalties) é mais do que recebe pela mesma via.

"Ainda temos déficit na conta de serviços do nosso balanço de pagamentos que precisa ser financiado', disse o líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante (PT-SP). Em 2005, o tamanho desse déficit ficou em US$ 8,148 bilhões.

O professor Ricardo Carneiro, da Unicamp, lembra que há cerca de US$ 40 bilhões em capitais estrangeiros voláteis no País. Se todo esse dinheiro fugir de uma vez, nenhuma blindagem resistirá.

EQUILÍBRIO

Os dados mais recentes ajudam a mostrar como o País chegará à situação de exposição cambial zero. Em outubro, último dado disponível, a dívida cambial do governo federal estava em US$ 76,275 bilhões. Quando o governo quitar sua dívida com o Clube de Paris, como já anunciou, o valor será reduzido em mais US$ 2,575 bilhões. Com isso, a dívida total recuará para US$ 73,7 bilhões.

No outro prato da balança, o governo acumula créditos de US$ 57 bilhões que compõem as chamadas reservas internacionais do País. Tem, ainda, US$ 5,5 bilhões que o Tesouro captou no mercado e ainda não usou e créditos de US$ 1 bilhão em papéis emitidos no mercado interno, corrigidos pelo dólar. No total, são US$ 63,5 bilhões. Ou seja, US$ 10,2 bilhões a menos que a dívida externa.

A tendência é que esses créditos continuem se acumulando, se o Tesouro prosseguir comprando dólares no mercado. O mercado também espera que o Banco Central (BC) continue a vender contratos de swap cambial reverso, que pagam ao comprador a variação dos juros e recebe a variação do dólar. Com eles, o BC aumentou o estoque de créditos em dólar.

O ex-diretor de Assuntos Internacionais do BC Carlos Eduardo de Freitas avalia que a vulnerabilidade continuará invisível enquanto o País crescer a taxas considerada medíocres. "Enquanto estivermos crescendo a uma taxa média máxima de 3%, não teremos problemas nas contas externas. Se crescermos mais, o problema voltará", disse Freitas.

O problema, segundo ele, poderia ser resolvido com reformas estruturais. "Isso nos daria condições de crescer um pouco mais sem problemas", observou. Nessa situação, Freitas entende que o Brasil até poderia se dar ao luxo de voltar a ter déficit em transações correntes de 2% a 3% do PIB. "Precisamos de um pouco de poupança externa para sustentar nosso crescimento."