Título: Em fevereiro, dívida chega a R$ 1 tri
Autor: Adriana Fernandes, Fabio Graner
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/01/2006, Economia & Negócios, p. B6

Número pode ser explorado na campanha, mas governo insiste que indicador mais importante é relação com PIB

Em plena largada da campanha eleitoral, o governo terá de administrar o impacto negativo da divulgação de um número que impressiona: a dívida interna em títulos públicos baterá, nos próximos meses, a marca de R$ 1 trilhão. A contrapartida é que, ao mesmo tempo, o Brasil formou uma inédita blindagem da economia contra cris es financeiras internacionais porque sua dívida corrigida pelo dólar está totalmente protegida por esquemas de financiamento definidos pelo Banco Central e pelo Tesouro Nacional.

A dívida interna chegará a R$ 1 trilhão em fevereiro, se for mantido o ritmo de crescimento mensal do ano passado. O estoque atingiu o recorde de R$ 979,66 bilhões em dezembro, com um crescimento de 20,9% ao longo do ano. Na média, a dívida cresceu R$ 14,11 bilhões por mês em 2005.

Para 2006, o Tesouro previu um crescimento mensal de, no mínimo, R$ 12,52 bilhões, com o estoque fechando o ano em R$ 1,13 trilhão. Esse aumento ocorreria no cenário mais positivo traçado. Na hipótese pessimista, a dívida poderá chegar a R$ 1,2 trilhão - média mensal de aumento de R$ 18,36 bilhões. Por isso, na hipótese mais conservadora, a dívida atingiria R$ 1 trilhão em fevereiro.

O secretário do Tesouro Nacional, Joaquim Levy, alerta que o número de R$ 1 trilhão tem de ser observado com cuidado. "O indicador mais importante é a relação dívida líquida/PIB. É para ele que olhamos mais atentamente", diz.

O principal responsável por esse ritmo de crescimento é o juro básico. Cerca de 53% do total dos títulos da dívida são corrigidos pela taxa Selic. Por isso, cada reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) é acompanhada com apreensão pelo próprio governo. Quanto mais lenta a queda do juro, mais demorado é o processo de redução do endividamento.

O aumento da dívida em 2005 já intensificou o debate sobre a necessidade de uma mudança mais rápida no seu perfil, ou seja, a redução da parcela corrigida pelos juros - uma operação complexa, porque depende da vontade dos investidores de comprarem títulos que não tenham a garantia da Selic.

O economista Amir Khair, ligado ao PT, acha "uma loucura" a supremacia da política de juros para estabilizar a economia, controlando a inflação. "Esse um R$ 1 trilhão acaba nas costas do Tesouro Nacional. Quando o Banco Central mantém essa política, está dando um golpe fiscal no Tesouro. Como a Lei de Responsabilidade Fiscal não enquadrou o BC, todo o esforço fiscal é anulado pela irresponsabilidade do BC", critica.

Para Júlio Cardoso, economista-chefe do Banco BVA, embora seja natural do ponto de vista macroeconômico, o valor de R$ 1 trilhão impressiona e é mais fácil de ser explorado eleitoralmente do que o indicador da relação dívida líquida do setor público e o PIB. "Certamente, a oposição vai tentar se aproveitar disso", diz.