Título: Brasil - uma nação de futuro
Autor: Ray Young
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/01/2006, Economia & Negócios, p. B7

Neste domingo, 29 de janeiro, em todo o mundo será celebrado o Ano Novo chinês, que tem por base o calendário lunar. 2006 será o Ano do Cachorro que, de acordo com a tradição chinesa, tem sido visto como um ano muito bom, de muitas realizações positivas. Quando o início do Ano Novo chinês - que normalmente acontece em fevereiro - começa em janeiro, coincidindo com o mês em que se inicia o Ano Novo no Ocidente, diz-se que será um ano muito especial, de muita sorte. Neste mês de janeiro completei dois anos como presidente da General Motors do Brasil e das Operações Mercosul, e para mim é um bom momento para uma revisão do que já conseguimos nestes dois anos e o que ainda temos de fazer neste ano que está se iniciando. Sou cidadão canadense, de origem chinesa, razão de meu particular interesse em acompanhar o calendário chinês, pois sempre busquei o conselho de minha mãe para saber as influências do calendário chinês. Considerando esta experiência no Brasil, depois de já ter trabalhado na América do Norte, Europa e Ásia, sinto-me à vontade para falar um pouco sobre a minha visão acerca do Brasil. Minha primeira observação é a respeito de crescimento econômico. Eu acredito que o Brasil está no caminho certo para um futuro promissor, mas ainda há muito potencial para este país. Nós presenciamos o Brasil sair da recessão econômica de 2003 e gerar dois anos de sólido crescimento econômico em 2004 e 2005. Vimos um espetacular saldo na balança comercial, superior a US$ 42 bilhões no ano passado, recorde absoluto na história do País. E não é só: tenho visto como os investidores internacionais estão trazendo seus recursos para cá, confiantes que estão no desempenho do mercado de capitais brasileiro, que se traduz pela queda do risco Brasil para níveis abaixo dos 300 pontos. Além disso, não posso deixar de comentar o desempenho da indústria automobilística brasileira, tanto em vendas domésticas, que cresceram cerca de 20% nos últimos dois anos, quanto da produção, que no mesmo período registrou crescimento de 35%, atingindo 2,450 milhões de veículos fabricados em 2005. À primeira vista, tivemos dois bons anos de crescimento. Entretanto, não podemos estar satisfeitos com esse nível de crescimento, principalmente se olharmos para o desempenho de três outros países em desenvolvimento, que são nossos mais diretos concorrentes. Refiro-me à China, Índia e Rússia, que devem registrar crescimento em 2005 de respectivamente 10%, 7,5% e 6%, enquanto o Brasil somente 2,5%. A balança comercial teve bom desempenho em 2005, mas grande parte das exportações foi proveniente de ótimas receitas com commodities e semimanufaturados, havendo claros riscos de que setores mais industrializados percam competitividade em 2006 por conta da apreciação do real em relação ao dólar. O risco Brasil está caindo, mas o déficit público em relação ao PIB permanece acima de 50%, fator esse que exigirá do governo uma política de austeridade nos gastos públicos e melhoria da eficiência da máquina administrativa. Sem reduzir o déficit público, a taxa de juros deverá permanecer inaceitavelmente alta. E do lado da indústria automobilística brasileira, nunca é demais lembrar que há 10 anos, em 1997, o setor vendeu internamente 2 milhões de veículos e precisamos forçosamente voltar a esse patamar de vendas para nos mantermos competitivos no mercado global. Em resumo, precisamos de um crescimento econômico sólido, similar ao que está sendo alcançado por China, Índia e Rússia. Todos nós, empresários, trabalhadores, governantes, legisladores e a sociedade em geral devemos nos esforçar para levar o Brasil a um crescimento mais significativo. Minha segunda observação está relacionada com o ambiente desafiador para qualquer empresa que opere no Brasil. Mesmo nos bons tempos é sempre muito difícil descobrir qual a melhor maneira para competir e ter lucro no Brasil. Aliás, esta é uma das muitas razões por que muitas empresas multinacionais, como é o caso da própria GM, mandam seus executivos para cá, para aprenderem a conviver com situações incertas e de rápidas e desafiadoras mudanças. A verdade é que o ambiente de negócios no Brasil está cheio de imperfeições com as quais temos de lidar no nosso dia-a-dia. Por exemplo, alta taxa de juros (a maior do mundo em termos reais), taxa de câmbio desfavorável para muitos exportadores, excessiva carga tributária, burocracia e sérios problemas de infra-estrutura (estradas e portos). São muitas as reclamações do empresariado em geral, mas o fato que devemos admitir como verdadeiro é que essas imperfeições não serão corrigidas a curto prazo. Resultado: as pessoas e as empresas terão de superar esses custos desvantajosos, o que em muitos casos significa cortar agressivamente os custos controláveis para permanecer competitivo no mercado e ter foco permanente na inovação para obter melhor produtividade. A título de exemplo bem-sucedido de como gerir uma empresa nesse ambiente, cito a Embraer, que com seu novo jato EMB 190 vem se firmando como uma das maiores companhias aeronáuticas do mundo, sabendo usar as vantagens competitivas em relação às empresas dos Estados Unidos e da Europa. Minha terceira observação é que o Brasil já entrou definitivamente no mundo globalizado e que esse caminho não tem mais volta. Todavia, o Brasil tem sido visto como um mercado muito fechado. Altas taxas de importação protegem muitas indústrias e empresas, incluindo aí a própria indústria automobilística. Com a tendência em direção a um mercado global mais aberto, o Brasil estará interligado cada vez mais com a economia global. A China está se tornando um parceiro importante para a economia brasileira, haja vista a quantidade de enfeites chineses que iluminaram muitas árvores no último Natal e o grande número de brinquedos com a mesma origem. Com certeza o apetite chinês pelas commodities procedentes do Brasil continua inalterado, mas cada vez mais precisamos estar atentos ao possível impacto que o crescimento de certos países terá sobre a economia brasileira. Para as empresas nacionais pode até ser interessante o crescimento das exportações, mas não deve ser deixado de lado o risco da permanente competição estrangeira, que nos forçará a termos custos competitivos para disputarmos mercados com países emergentes da Ásia. No âmbito da indústria automobilística isto pode significar a necessidade de termos um menor número de modelos fabricados no País e um aumento de produtos importados no portfólio das montadoras. Tudo vai depender da competitividade da indústria brasileira em termos de custos versus os custos de outros fabricantes mundiais, entre eles a China. É neste clima de acirrada competição globalizada que vamos entrar neste domingo no Ano Novo chinês, um ano de muita sorte. Vivendo já há dois anos no Brasil, sinto que o Brasil tem todas as condições de ser um grande player do mercado mundial. Já fizemos alguns progressos, mas temos ainda de superar muitos obstáculos se quisermos competir globalmente, usando toda a nossa criatividade e firme disposição para reduzir custos. É imperativo o Brasil crescer. Vamos atirar o osso e deixar o cachorro correr atrás. Feliz Ano Novo!

* Presidente da General Motors do Brasil e das Operações Mercosul