Título: Ressaca brasileira no retorno do encontro
Autor: João Caminoto
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/01/2006, Economia & Negócios, p. B5

Os brasileiros que participaram do Fórum Econômico Mundial estão deixando os Alpes suíços com uma incômoda ressaca. O evento mostrou que o Brasil ocupa uma posição secundária na lista de prioridades e interesses da elite global.

Enquanto China e Índia solidificam suas credenciais como potências econômicas capazes de alterar o mapa geopolítico mundial, provocando preocupações mas também oportunidades para investidores de países ricos, o Brasil continua como promessa de futuro que ninguém sabe quando e se virá.

Não há dúvidas de que a imagem do Brasil melhorou muito, com o País alcançando maior estabilidade econômica e reduzindo a vulnerabilidade externa. Ao contrário da década passada, os debates sobre o País já não se concentram em procurar saber quando será a próxima crise. Como afirmou o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, "o Brasil é visto hoje como um País normal, que não apresenta riscos potenciais e iniciou rota de crescimento sustentável".

Mas como testemunharam os empresários brasileiros presentes no evento, ser só "normal" num ambiente em que outros países em desenvolvimento alcançam taxas de crescimento anuais duas, três, quatro vezes superiores a brasileira, não basta. Num ambiente de intensa busca de eficiência e competitividade, o desempenho do Brasil deixa a desejar.

Essa constatação provocou constrangimento entre o pequeno grupo de empresários e autoridades brasileiras que desembarcaram na gelada Davos este ano. Eles presenciaram as dezenas de delegados chineses e indianos atraindo uma enorme atenção durante o evento.

O anúncio de que a empresa siderúrgica indiana Mittal havia feito oferta de cerca de 18 bilhões pela gigante européia Arcelor serviu para reforçar a percepção de frustração sobre a importância do Brasil no novo mapa da economia global. O baixo astral do País em Davos é um contraste com o que se viu há três anos, quando o recém-empossado presidente Lula foi um dos principais destaques do Fórum Econômico Mundial, anunciando uma nova era para o Brasil. Desde então, como disse um empresário, muita coisa mudou.

A falta de interesse estendeu-se à América Latina. O tradicional "Jantar Ibero-americano" que ocorre durante o Fórum foi marcado pelo debate sobre as causas de a região apresentar desempenho inferior ao de outras partes do mundo. Para tentar reverter isso, foram listadas as tradicionais receitas: mais reformas estruturais, melhor distribuição de renda, mais investimentos em educação e saúde.

O risco de o populismo voltar a prevalecer na América Latina, sob a liderança do presidente venezuelano Hugo Chávez e com a recente eleição do cocaleiro boliviano Evo Morales, ajudou a reforçar o clima de preocupação. "A América Latina vive um momento crucial diante da escolha de um caminho populista ou de manutenção das conquistas dos anos recentes", disse o economista John Williamson, do Institute for International Economics.