Título: O mundo cresce, a Bolsa dá lucro
Autor: Carlos Franco
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/01/2006, Economia & Negócios, p. B3

Dinheiro sobrando no mercado internacional vem em busca de ações baratas na Bovespa, que bate recordes

Há dinheiro sobrando no mercado internacional, aquilo que os economistas chamam de excesso de liquidez. E é esse dinheiro - atrás de mais dinheiro - que faz girar as Bolsas e também dá liquidez a títulos públicos de países emergentes, derrubando o seu risco como ocorre hoje com o Brasil. O que atrai, ainda mais, investidores estrangeiros aos pregões emergentes. E também desperta a cobiça de investidores locais. E é o que justifica o bom momento da Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) nas últimas semanas, desde dezembro, quando tem quebrado sucessivos recordes de negócios. Até quando?

Para o ex-diretor do Banco Central Carlos Thadeu de Freitas Gomes, enquanto o mundo estiver crescendo. A tendência, no entanto, é que os prêmios de risco, que subiram muito em todo o ano de 2005, sofram ajustes, exceto se as empresas continuarem investindo e novas empresas abrirem o capital, aumentando o leque de opções. Segundo ele, o fenômeno que se vê hoje é resultado da globalização, que impede inflações aceleradas em todo o mundo por causa da oferta agressiva de países emergentes como a China.

Freitas explica que essa liquidez resulta justamente dos preços menores, fruto de novos fornecedores e também de ganhos de competitividade. Mas, se as novas opções de ações que surgem são de empresas que estão antenadas com este cenário de competitividade e uso de insumos mais baratos, ainda é possível manter a exuberância, mas não na mesma intensidade. O que ajuda o Brasil é que os preços das ações de empresas similares às internacionais ainda é muito baixo.

Segundo o presidente da Bovespa, Raymundo Magliano Filho, o crescimento da economia americana e das economias mundiais produz um excesso de capital, com o bom resultado das empresas, e aí as aplicações se multiplicam e vão em busca de mercados onde se possa ter melhor remuneração e garantia de recebimento. E vai durar? "Essa é uma pergunta que ninguém pode responder, mas os indicadores das empresas são bons e quanto mais empresas abrem o capital maiores as oportunidades."

O volume diário da Bovespa chegou a R$ 920 milhões este mês, ante R$ 466 milhões em janeiro de 2005. Em dezembro, esse volume médio diário era de R$ 793 milhões. Por trás desse movimento, está a participação dos investidores estrangeiros, com 34,3% dos negócios.

Magliano Filho, comemora, porém, o aumento constante da participação de investidores pessoas físicas, que já respondem por 26% dos negócios, à frente das instituições financeiras (9%) e das empresas (2%), perdendo apenas para investidores institucionais (28,5%) como fundos de pensão.

"O importante é que os recordes e o crescimento dos negócios contempla um leque maior de investidores, cada vez mais conscientes da importância da Bolsa para a criação de empregos e o crescimento da economia e a distribuição dos dividendos desse movimento", diz Magliano Filho.

A Bovespa tem ido à praia e às fábricas em busca de novos investidores. Na sexta-feira, Magliano comemorava a marca de mil clubes de investimentos formados, alguns familiares. De setembro de 2002 até sexta-feira, foram criados mil clubes, sendo 35 em 2006, 356 em 2005, 349 em 2004, 217 em 2003 e 22 em 2002. No total, a Bovespa tem 1.351 clubes de investimento, com um patrimônio líquido de R$ 7 bilhões e 112,3 mil cotistas.

Entre os investidores há pessoas como Nelson Vasconcelos, que entrou em contato com o mercado de ações na Riviera de São Lourenço, há um ano, quando o programa "Bovespa vai à praia" passou pelo local, e hoje participa de clube de investimento. O maior orgulho de Magliano, porém, é a presença de operários, conquistados com o Programa Bovespa vai à Fábrica, que teve o apoio das centrais sindicais. Já a corretora Spinelli tem procurado vender a formação de clubes para pais que querem custear os estudos dos filhos. Outro programa da Bovespa, o Mulheres em Ação, também busca estimular o investimento de pessoas físicas. Esse estímulo vem de um cálculo simples, diz Einar Rivero, da Economática, empresa de consultoria especializada em mercado de ações: "Quem aplicou R$ 1 mil no primeiro pregão de 2005, em janeiro, sacaria hoje (sexta-feira) R$ 1.275,00."

É essa rentabilidade que levou o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) a ampliar o volume de dinheiro aplicado no programa Papéis Índice Brasil Bovespa (PIBB), de US$ 600 milhões na em agosto de 2004 para US$ 2,3 bilhões em agosto de 2005, na segunda versão do programa. "E muitos queriam investir mais. O importante é que o PIBB trouxe 121 mil investidores ao pregão", diz Magliano Filho.

A REGRA É CLARA

Para o ex-árbitro de futebol Arnaldo César Coelho, que comanda a Corretora Liquidez, líder dos negócios no mercado derivativo na Bolsa deMercadorias & Futuros em dezembro, a regra, como no futebol, é clara. "O preço das ações brasileiras é baixo em relação a similares no mercado internacional e isso tem garantido uma grande lucratividade em relação aos papéis, devido ao desempenho favorável de empresas exportadoras e de outras em fase de globalização."

Rivero, da Economática, recorre a uma curva de lucro por preço (preço da ação dividido pelo seu lucro em 12 meses), a chamada P/L, para mostrar que os papéis estão baratos. No Brasil, a P/L até o dia 26, era de 12,2, enquanto, no mesmo período, era de 20 em relação aos papéis nos Estados Unidos, 16,9 no Chile e 14,7 no México.

"As ações brasileiras são baratas, e isso funciona a favor dos investidores estrangeiros, que estão dispostos a apostar nesses papéis", diz Arnaldo César Coelho, que faz negócios em nome de grandes grupos e bancos de outros países.