Título: Nova era no Fed
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Fonte: O Estado de São Paulo, 02/02/2006, Notas e Informações, p. A3

A primeira grande tarefa do novo presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central americano), Ben S. Bernanke, que tomou posse ontem, é conquistar a confiança daqueles que compõem o que se costuma chamar de "mercado", as pessoas que têm dinheiro para investir, especialmente se esse dinheiro for dólar. A reputação conquistada nos meios acadêmicos, a experiência acumulada como um dos governadores do Fed e o exercício da chefia da assessoria econômica do presidente George W. Bush são elementos mais do que suficientes para assegurar a Bernanke a credibilidade de que deve gozar um dos homens mais poderosos, se não o mais poderoso, no plano da economia globalizada. Mas o fato de substituir um homem que se tornou quase um mito torna particularmente difícil sua tarefa.

Bernanke substitui Alan Greenspan, que ocupou o cargo de "chairman" do Fed por mais de 18 anos. Não foi, porém, por causa da longa permanência no cargo que Greenspan conquistou a respeitabilidade de que desfruta. Num ambiente agitado por crises, Greenspan conseguiu transmitir tranqüilidade aos agentes econômicos, apresentar diagnósticos convincentes, embora nem sempre muito claros, e escolher soluções que, em geral, se mostraram adequadas. Em alguns momentos, advertiu para crises que só surgiram anos depois.

Não foram poucos os momentos de dificuldades pelos quais passou a economia mundial durante sua gestão. Em outubro de 1987, menos de dois meses depois de assumir o cargo, Greenspan enfrentou sua primeira crise: a queda brusca das cotações das ações negociadas na Bolsa de Valores de Nova York. Respondeu à crise com o afrouxamento da política monetária.

Depois vieram as crises dos países endividados, primeiro a do México, depois a dos países asiáticos, em seguida a do Brasil e da Rússia. Em seguida, o estouro da bolha das ações das empresas de tecnologia, cujas ações são negociadas predominantemente na Nasdaq, e os atentados de 11 de Setembro.

A despeito disso tudo, a Era Greenspan, como já está sendo chamado o tempo em que esteve à frente do Fed, foi marcada pelo mais longo período de prosperidade da economia norte-americana, que se estendeu de 1991 a 2001. Quando há crescimento rápido e contínuo, dirigentes de bancos centrais costumam descobrir sinais de pressões inflacionárias e, por isso, apertam a política monetária. Mas Greenspan não seguiu a regra e evitou a elevação dos juros.

Justificou de maneira brilhante essa posição. O uso da tecnologia de informação propiciou o espetacular crescimento da produtividade da economia americana, sem que a expansão econômica fosse acompanhada de tensões inflacionárias. Por isso, não era necessário elevar os juros.

Assim, durante a gestão Greenspan, o custo do dinheiro atingiu um de seus pontos mais baixos da história recente dos Estados Unidos, numa rara e muito produtiva combinação de crescimento e juros baixos.

Recentemente, houve uma mudança no cenário. Desde junho de 2004, o Fed vem elevando moderada e paulatinamente o juro básico norte-americano. Na última reunião presidida por Greenspan, na terça-feira passada, a taxa básica subiu mais 0,25 ponto porcentual, chegando a 4,5% ao ano.

Terá Bernanke que endurecer a política do Fed para conquistar a credibilidade de que necessita? Esta era a pergunta que se fazia antes da reunião de terça-feira. O comunicado do Fed anunciando sua decisão dá uma boa resposta a ela. Admite que existem sinais contraditórios a respeito da atividade econômica, mas reafirma o diagnóstico que vem fazendo há algum tempo de que a expansão da economia "parece sólida". Por essa razão, mesmo reconhecendo que a inflação se mantém contida, considera que "algum aperto adicional da política monetária poderá ser necessário para manter equilibrados os riscos ao prosseguimento do crescimento econômico sustentável e à estabilidade dos preços".

Essas palavras dão uma idéia de como agirá o comitê do Fed incumbido de definir a taxa de juros na primeira reunião sob a presidência de Bernanke, no dia 28 de março.

Ou seja, não haverá grandes mudanças no início da nova era do Fed. A não ser, talvez, nas declarações de seu "chairman", que devem ser mais claras do que as de seu antecessor.