Título: O balanço da violência
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/02/2006, Notas e Informações, p. A3

Em clima de campanha, deixando claro que utilizará a política por ele adotada em São Paulo no combate à violência como bandeira eleitoral, o governador Geraldo Alckmin divulgou um balanço sobre a criminalidade em São Paulo. O levantamento mostra que os homicídios dolosos tiveram uma redução significativa, caindo 18,5%, entre 2004 e 2005, o que resultou num aumento da expectativa de vida da população. "É o segundo menor índice desde 1996", comemorou Alckmin.

Embora a queda do número de homicídios dolosos tenha acompanhado uma tendência registrada em todo o País pelo IBGE, em São Paulo ela foi bem mais acentuada. Para os especialistas, isso se deve à conjugação de fatores que vão dos investimentos do governo paulista na expansão dos serviços de inteligência da polícia estadual, o aumento do patrulhamento das ruas, cursos de capacitação de policiais até a criação de guardas municipais pelas prefeituras, passando pela Campanha do Desarmamento e pela confiança da população no "disque-denúncia".

As estatísticas também revelam um declínio dos registros de roubo com uso de violência ou ameaça (excluídos os de veículos e de carga). Eles diminuíram 5,81% na capital, 0,13% na Grande São Paulo e 2,17% no resto do Estado. É um avanço importante. Mas, com relação aos crimes de furto de veículos e roubo de carga, não houve progresso. Embora em termos relativos o índice de veículos roubados e furtados tenha crescido só 0,5%, em números absolutos o saldo é assustador. No ano passado, foram roubados ou furtados 187.225 veículos no Estado, o que equivale a mais de 10% do total de automóveis fabricados no País, no período. Já o roubo de cargas aumentou 5,4%.

Mais preocupante ainda é a constatação do recrudescimento dos seqüestros tradicionais (com cativeiro e pedido de resgate), principalmente no interior. O pico dessa onda de crime ocorreu em 2002. Essa ocorrência caiu para mais da metade nos dois anos seguintes e, de 2004 para 2005, eles voltaram a crescer, aumentando em 18,7%.

O detalhe é que, enquanto em 2002 os seqüestros tradicionais foram basicamente praticados por quadrilhas, em 2005 eles passaram a ser realizados por criminosos sem experiência nesse tipo de delito. Esse crime sofreu um processo de "banalização", o que é revelado tanto pela queda no valor cobrado pelo resgate, de R$ 550 mil para R$ 350 mil, quanto na redução de 11 para 7 dias no tempo de cativeiro, como reconhece o sociólogo Túlio Kahn, coordenador de Análise e Planejamento da Secretaria da Segurança Pública.

A grande falha da pesquisa anunciada por Alckmin diz respeito ao número de seqüestros relâmpagos, justamente o tipo de crime que mais assusta a população. Um acordo entre o governo estadual e o Ministério Público estabeleceu que esses casos deveriam ser registrados como extorsão mediante seqüestro, o que permitiria aos seus autores serem condenados com base na Lei de Crimes Hediondos, cujas penas são mais rigorosas do que as previstas pelo Código Penal. Mas, com base numa tortuosa interpretação da legislação vigente, a polícia continuou a classificá-los como simples roubos, o que deixou a suspeita de que ela estaria agindo com o propósito de não prejudicar as pretensões eleitorais do governador.

"A estatística serve para alertar. Isso não pode ser uma decisão política. É, sim, uma decisão de política criminal. Saber o que ocorre para combater o crime corretamente. Se há 90 casos de seqüestro relâmpago por mês, onde estão os 90 boletins de ocorrência?", protesta o promotor Paulo Penteado, assessor da Procuradoria-Geral de Justiça. Cobrado pela imprensa, o secretário de Segurança, Saulo de Abreu Filho, tentou justificar a ausência do seqüestro relâmpago nas estatísticas, mas reconheceu a gravidade desse tipo de crime, hoje cometido à cadência de um a cada oito horas.

No cômputo geral, o balanço anunciado por Alckmin, embora contenha vários dados positivos, peca pela ausência de dados sobre seqüestros relâmpagos. E também mostra que, apesar dos progressos, a polícia ainda tem muito o que fazer para reduzir os níveis de criminalidade no Estado.