Título: Irã gera a discórdia nos Estados Unidos
Autor: David Brooks
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/01/2006, Internacional, p. A17

O debate sobre o Iraque dividiu os Estados Unidos em dois, mas o debate sobre o Irã é muito mais complicado. Abriu um racha entre os conservadores e o governo do presidente George W. Bush. Dividiu os democratas em facções rivais: os que podem contemplar o uso eventual de força contra o Irã e os que não podem.

É um debate intenso porque todas as opiniões são terríveis. Mas essa vai ser a grande polêmica de política externa na eleição presidencial de 2008 e pode-se ver emergir quatro diferentes linhas de pensamento:

Os Prevencionistas: o congressista John McCain e a maior parte dos conservadores americanos acreditam que a situação cheira à Alemanha nazista de 1933. Um demagogo anti-semita está rompendo tratados e ameaçando varrer Israel do mapa. O louco fala sério e não pode ser parado por incentivos econômicos ou diplomáticos.

Portanto, não se pode permitir que o Irã consiga a bomba. O presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, pode não mandar a grandona para Tel-Aviv, mas um Irã psicótico e hegemônico libertaria seus vassalos terroristas e acabaria com os esforços democráticos no Oriente Médio, e poderia estabelecer uma guerra catastrófica.

Um prevencionista trabalharia com a Europa e as Nações Unidas para aumentar a pressão sobre o Irã, enquanto deixaria claro ao mundo que está disposto a fazer o necessário para frear o programa nuclear iraniano.

Como McCain disse em Face the Nation (Encare a Nação): "Há somente uma coisa pior que os Estados Unidos exercerem uma opção militar. Seria um Irã com armas nucleares".

Os Sancionistas: concorrentes presidenciais democratas como os senadores Hillary Clinton e Evan Bayh começaram a atingir o governo de George W. Bush. Mas como observou Ivo Daalder, da Brookings Institution, isso não é apenas postura de campanha. Democratas centristas também acreditam que armas nucleares iranianas são inaceitáveis.

Tais armas desencadeariam uma corrida armamentista regional. Elas levariam a uma crise dos mísseis como a cubana na região mais instável do mundo. Se o Irã completar seu programa, isso tiraria completamente a legitimidade do sistema internacional.

Os Sancionistas não rejeitam um ataque preventivo, mas eles não o enfatizam. Ao invés disso, eles dizem que os Estados Unidos deveriam estar diretamente envolvidos nas negociações com o Irã e o mundo deveria impor rapidamente sérias sanções econômicas, o que o senador Chuck Schumer chama de "mata-leão econômico".

Os Reformistas: estranhamente, a administração de Bush se encontra no lado cauteloso, não intervencionista. Funcionários de Bush se afastam de amplas sanções econômicas e ataques preventivos (apesar de não os descartarem formalmente).

Ameaças intempestivas podem parecer boas, dizem eles, mas quando se está governando, deve-se considerar as conseqüências; deve-se manter unida a coalizão global; deve-se ter certeza de que o Irã não está só provocando quando fala em realmente desmantelar o Iraque.

Em todas as minhas conversas com funcionários de alto escalão do governo, nunca os ouvi serem tão cautelosos sobre o que podem fazer e tentativas sobre o que podem conseguir.

A principal vantagem, dizem eles, é que o Irã não é a Coréia do Norte. Os iranianos não querem ser párias globais. Há uma elite iraniana que gosta de viajar e conduzir negócios internacionais e começa a reagir contra a conversa radical de seu recém-empossado presidente Ahmadinejad.

O governo acredita que duras sanções levarão a população aos braços do regime, mas que sanções cirúrgicas motivariam reformadores internos a mudar o curso do regime. Em conversas privadas, alguns funcionários do governo acreditam que não há maneiras de evitar que o Irã consiga a bomba; nós também tentaremos tornar o regime o mais palatável possível.

Os Fatalistas Silenciosos: os mais influentes democratas estão surpreendentemente silenciosos sobre essa questão. Sua principal convicção é que uma ação militar liderada pelos Estados Unidos seria desastrosa. Isso modela a definição do problema. Um Irã nuclear pode não ser tão terrível, dizem privadamente. Por que o Irã não deve ter direito à bomba como qualquer outra nação? O regime pode ser indecente, mas pode ser contido.

Essa parte da esquerda americana argumenta que se não estivéssemos no Iraque, teríamos muito mais liberdade para agir contra o Irã, embora também possa ser dito que a crise seria pior se Saddam Hussein ainda estivesse no poder.

Essas quatro abordagens têm algo em comum: todas elas cheiram mal. Por exemplo: apesar das esperanças do governo, há razões limitadas para acreditar que supostos cosmopolitas iranianos fechariam o programa nuclear, mesmo se quisessem, ou pudessem fazê-lo a qualquer momento - antes de Israel forçar a questão ao ponto de uma crise.

Esse será um debate longo e tortuoso, dividindo ambos os partidos, o Republicano e o Democrata. Nós provavelmente nos uniremos no momento em que as bombas iranianas forem construídas e estiverem totalmente operantes.