Título: O Hamas na direção palestina
Autor: Daniela Kresh
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/01/2006, Internacional, p. A16
O Crescente raiou. O grupo militante islâmico Hamas conquistou impressionantes 76 dos 132 assentos do Parlamento nas eleições legislativas palestinas da semana passada. Os Estados Unidos e a União Européia devem finalmente reconhecer a ascendência do Hamas como favas contadas.
Até agora, essas terceiras partes se equivocaram: pressionaram Israel a permitir que o Hamas participasse das eleições, mas ameaçaram cortar ajuda e ligações com uma Autoridade Palestina dominada pelo Hamas.
A realidade prática, no entanto, é que o Hamas tem um papel importante na política palestina e nenhum processo de paz pode ser bem sucedido sem pelo menos a tácita aceitação de seus líderes. Além disso, a participação do Hamas na política palestina não é necessariamente ruim e resistir a isso certamente vai causar mais males do que bem.
Como partido político, o Hamas se revelou disciplinado, pragmático e surpreendentemente flexível. Apresentou candidatos bem vistos, até mesmo médicos e acadêmicos. Em alguns casos, o Hamas se alinhou com independentes que antes eram filiados à organização secular Fatah.
E, embora, o programa do Hamas pregue a destruição do Estado de Israel e a libertação da Palestina "do rio até o mar", o manifesto de campanha do partido não fez nenhuma menção a esses objetivos.
Em vez disso, quando indagados sobre a possibilidade de fazer a paz com Israel, os representantes do Hamas ofereceram respostas suaves e nuançadas. Como Ziad Daiah, representante do Hamas em Ramallah, na Cisjordânia, que nos disse: "Não estamos interessados em processos de paz do tipo Oslo, que duraram dez anos e foram uma perda de tempo. Mas, se Israel iniciar novas negociações, com benefícios diretos para os palestinos em um espaço de tempo útil, vamos aceitar isso."
A julgar pelos milhares de pôsteres verdes colados em toda a Cisjordânia e Faixa de Gaza, questões externas, como o processo de paz, não eram centrais na agenda eleitoral do Hamas. Em vez disso, a campanha do grupo militante islâmico centrou foco em preocupações populares, como combater a corrupção, estabelecer uma boa administração e restaurar o domínio da lei. Os discursos da vitória do Hamas enfatizaram a necessidade de renovação dos serviços públicos.
No entanto, devemos ter cuidado para não levar ao pé da letra o discurso eleitoreiro do Hamas. O programa do Hamas mantém uma linguagem venenosa em relação a Israel e o grupo ainda tem de renunciar a suas posições sobre o papel da violência na resistência palestina. Além disso, a agenda fundamentalista islâmica do Hamas continua a alarmar muitos palestinos seculares, até mesmo os que saudaram sua entrada na política.
Ainda assim, as declarações do Hamas indicam que essas atitudes não são definitivas. Como declarou Mohamed Ghazel, líder do Hamas na cidade de Nablus, ao jornal israelense Haaretz: "O programa não é o Alcorão."
E o Hamas tem feito mais do que qualquer outra facção armada para honrar a trégua que o presidente da Autoridade Palestina, Mahmud Abbas, negociou em fevereiro de 2005. Embora Israel continue a prender seus integrantes, o Hamas tem lençado poucas retaliações. Essa moderação pode ter sido uma estratégia eleitoral, mas ainda prova que, se os incentivos estiverem certos, o Hamas pode segurar o fogo.
Em todo caso, os Estados Unidos e a Europa não podem trombetear ideais democráticos no exterior e depois ignorar a vontade popular dos eleitores palestinos, 78% dos quais compareceram para votar nas eleições da semana passada.
Recusar-se a estabelecer um diálogo com o Hamas, por mais cético que se possa ser em relação a suas intenções, vai apenas legitimar ainda mais o partido. Isso poderia até abrir as portas para o aumento da violência.
Além do mais, cortar a ajuda para a Autoridade Palestina, que já está em crise fiscal e muito dependente de auxílio estrangeiro, poderia levá-la à falência, desestabilizando ainda mais a região.
O Hamas se tornou indiscutivelmente uma força a ser reconhecida na política palestina. Até Israel parece ter acordado para essa realidade. Um repórter de rádio recentemente perguntou ao ex-primeiro-ministro israelense Shimon Peres sobre a possibilidade de que Israel realize negociações com o Hamas.
"Não estamos combatendo contra um nome", declarou Peres. "Estamos combatendo uma situação. Se a situação mudar, então que diferença vai fazer?"
Se os israelenses querem engajar-se em conversações, é hora de os americanos e europeus se engajarem também.