Título: 'Ele deixou um legado de ingovernabilidade'
Autor: Gabriel Manzano Filho
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/01/2006, Nacional, p. A8,9

Para o economista Eduardo Giannetti, a gastança sem controle de JK levou o País ao golpe de 64

Na contramão de toda a festa que se faz para Juscelino, o economista Eduardo Giannetti prefere avaliar o custo ¿ não só financeiro, mas político ¿ que o País pagou por aqueles cinco anos de alegria. ¿JK desorganizou a economia e as finanças. Gerou enormes déficits públicos, além da inflação e do uso irresponsável dos fundos de previdência¿, diz ele. Professor de economia em São Paulo, PhD em Cambridge, polemista de respeito que brindou os leitores com livros como Auto-engano e, recentemente, O Valor do Amanhã, Giannetti não tem meio termo. Sustenta que Juscelino desorganizou a sociedade ao enveredar o País, num clima inflacionário, para um conflito distributivo ¿ a contínua luta por aumentos salariais. Deixou ao sucessor, Jânio Quadros, ¿um legado de ingovernabilidade¿.

Claro que Jânio era, em si, um poço de problemas, com seu temperamento explosivo. Mas combinando a má herança de um com o desequilíbrio do outro, Giannetti conclui que o Brasil ficou a meio caminho do golpe militar. ¿Eu ouso dizer que 1964 é um fruto tardio da aventura juscelinista. Ele plantou a semente de uma desestruturação que culminou com o golpe.¿

A acusação não é nova e seu autor está em boa companhia. O economista Eugênio Gudin, uma lenda do liberalismo dos anos 50 e 60, já bradava tudo isso, ao vivo e em cores, nas barbas do presidente, em furiosos artigos no jornal O Globo. O coro contra JK incluía Gustavo Corção, Prado Kelly, Carlos Lacerda e até Roberto Campos, que estava no governo.

¿Foi um desenvolvimento de bases muito frágeis¿, reclama Giannetti. ¿Primeiro, pelo mecanismo de financiamento dos investimentos, um mecanismo inflacionário. Segundo, pela natureza dos investimentos.¿ A cobrança começa pelo princípio: não há outro caminho para uma sociedade acelerar o crescimento além da acumulação prévia de capital. É inescapável poupar recursos no presente, para ter conforto no futuro. ¿Mas Juscelino teve a pretensão de encontrar uma espécie de alquimia em que o Brasil conseguiria acelerar o crescimento sem fazer o esforço compatível de acumulação de recursos¿, adverte. Uma mágica esperta ¿que no início é encantadora¿ e que depois, como uma embriaguez, gera uma ressaca insuportável.

Para ele, um estadista genuíno, ¿que não fosse adepto da esperteza¿, explicaria ao País que era preciso acelerar o crescimento. O caminho? Poupar ou tributar. JK preferiu a chamada teoria da inflação produtiva ¿ ¿a idéia de que a esperteza inflacionária era um caminho indolor para o crescimento¿. Na época, ela encantou a esquerda e os desenvolvimentistas.

E ele fez outra coisa grave, diz o economista: obrigou os fundos de pensão, que na época estavam bem estruturados, a investir em obras públicas. Os especialistas dizem que nunca mais o sistema previdenciário brasileiro se recuperou dessa extravagância. ¿Como obras públicas não geram renda para pagar os benefícios, esse sistema entrou no vermelho e desmoronou.¿

Nem Brasília escapa do crivo de Giannetti. Ela é ¿um vexame do ponto de vista cívico¿, pois foi criada ¿para o engrandecimento dos governantes, e isso não é prioridade num país de miseráveis¿. JK parecia acreditar, também, ¿num fetiche segundo o qual um país se torna moderno à medida que se urbaniza e se industrializa ¿ como se o capital físico, edificações e automóveis, redundasse automaticamente na modernidade¿. E seu governo deixou de lado o capital humano. ¿O que é surpreendente, visto que foi pelo capital humano que ele próprio, pessoa de origem humilde, chegou onde chegou.¿