Título: Um país com saudade de Nonô
Autor: Gabriel Manzano Filho
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/01/2006, Nacional, p. A8,9

Passados 50 anos de sua chegada ao poder, Juscelino é visto como símbolo de um País que estava dando certo

Bons tempos aqueles, de 1956, quando Tom Jobim e Vinicius de Moraes começaram a fazer música juntos - por exemplo, Se Todos Fossem Iguais a Você - e Dondinho, o pai de Pelé, procurava clube para seu filho de 15 anos. Guimarães Rosa dava de presente ao País sua obra-prima, Grande Sertão: Veredas, mas o que o povo lia, mesmo, era O Cruzeiro, onde despontavam os anúncios da brilhantina Glostora para os rapazes e dos maiôs Catalina para as moças.

Foi nesse Brasil de 60 milhões de habitantes, pronto para mergulhar nos anos dourados, que o mineiro Juscelino Kubitschek de Oliveira recebeu, aos 54 anos, a faixa presidencial das mãos do presidente Nereu Ramos, há 50 anos. Era uma tarde quentíssima de terça-feira, aquele 31 de janeiro, mas a rua diante do Palácio Tiradentes, no centro do Rio de Janeiro, estava lotada, principalmente por militantes getulistas que foram dar uma força ao novo vice, João Goulart.

A cena foi rápida. Entre 2 e 15 e 3 da tarde Juscelino fez juramento, fez discurso, recebeu abraços e pouco depois estava no Palácio do Catete, assumindo o poder e dando posse aos ministros. Arrancou-os todos da cama na manhã do dia seguinte para a primeira reunião ministerial, às 7 horas, em que expôs os 30 pontos de seu Plano de Metas, distribuiu tarefas e foi de helicóptero buscar no Hotel Copacabana o vice-presidente americano Richard Nixon, o mais ilustre convidado de sua posse, para uma visita à usina de Volta Redonda. No caminho Juscelino conseguiu dele um empréstimo de US$ 35 milhões para a siderurgia.

OLHAR EM FRENTE

Não era entusiasmo de iniciante, era um estilo. JK passou seus 1.825 dias no poder trabalhando, viajando, rindo, gastando, inaugurando, namorando e espalhando otimismo por todos os lados. Com ele, o País mudou de assunto - para melhor - e adquiriu o hábito de olhar para a frente. A batalha barulhenta entre getulistas e antigetulistas, a golpes de "mar de lama!" e de "entreguistas!", sumia aos poucos, no horizonte. Mas enquanto o povo se habituava a chamá-lo de presidente bossa-nova, pé de valsa, peixe vivo, ou simplesmente Nonô, cresciam também as críticas, pela pressa desorganizada com que buscava o crescimento, pela gigantesca dívida que deixou para os sucessores, pelo descuido com a corrupção.

Cinco décadas depois, muitos ainda perguntam se sua obra valeu o altíssimo déficit que ele deixou, mas todos admitem que JK foi uma figura rara, um marco na nossa história. Que o digam os 25 milhões de telespectadores da minissérie JK, da TV Globo que, toda noite, recordam os sonhos, os passos e as paixões do presidente, vivido primeiro por Wagner Moura e, desde a quinta-feira, por José Wilker. Poucos, além dele, juntariam tanta gente tanto tempo depois.

"Não é correto avaliar o governo JK sem considerar o contexto", diz o historiador e ex-ministro Ronaldo Costa Couto - cujo livro, Brasília Kubitschek de Oliveira, serviu de referência para a minissérie. Ele lembra que a economia brasileira não era, então, muito maior que a da Bolívia hoje. "Como acordar o gigante e colocá-lo para correr? Com política econômica ortodoxa e passinhos curtos? Ou tentando um atrevido choque de desenvolvimento para romper a inércia histórica?". Juscelino, para Costa Couto, fez exatamente o que devia. "Mesmo a caneladas, planejando o possível e improvisando o que fosse necessário, JK e equipe sonharam e ousaram."

A maioria dos que se lembram concorda. Ajudado pelo destino, que presenteou os brasileiros com Pelé e Garrincha, Eder Jofre e Maria Esther Bueno, além de João Gilberto e grande elenco na bossa nova, Juscelino "deu um choque de otimismo na velha tradição de descrença nas potencialidades do País", como lembra outro estudioso da vida republicana, o historiador José Murilo de Carvalho. Ter orgulho do Brasil e das coisas brasileiras "deixou de ser atestado de ingenuidade ou burrice". Esse sentido de nacionalidade, diz ele, "é um ingrediente importante na construção de uma sociedade moderna."

Outro, logicamente, é o desenvolvimento - e o que JK conseguiu, no caso, foi de se tirar o chapéu. Ele abriu 13 mil quilômetros de estradas, outros 3 mil de ferrovias, inaugurou imensas hidrelétricas (como Furnas e Três Marias), criou as indústrias automobilística e naval. Fez Brasília em 42 meses. O crescimento médio do PIB, em seus cinco anos, foi de 8,2% e o da indústria aumentou em quase 50%. O déficit público, no entanto, saltou de 1% (do PIB) para 4% e a inflação estava em 30% quando ele saiu.

Num sentido estritamente político, lembra José Murilo de Carvalho, "o País lhe deve a combinação de liberdade e desenvolvimento". Depois dele, tivemos desenvolvimento sem liberdade (no regime militar) e liberdade sem desenvolvimento (nos anos pós-democratização). "A combinação das duas coisas , desencadeada pelo arrojo e cordialidade de JK, é o que confere à época os traços de uma idade de ouro. Por isso presidentes como Fernando Henrique e Lula reivindicam a herança de JK. Inutilmente."