Título: Anônimo nas ruas, poderoso nos bastidores
Autor: Angélica Santa Cruz
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/01/2006, Nacional, p. A6

Quem é Gilberto Kassab, político que anda sem ser reconhecido pelo povo e pode assumir a Prefeitura de São Paulo

Uma vez por semana, Gilberto Kassab acorda cedo e vai perder algumas partidas de tênis no Esporte Clube Pinheiros, lugar onde entrou pela primeira vez ainda bebê, levado pelo pai de ascendência árabe e pela mãe de origem italiana - e onde é de conhecimento geral que "o Beto joga mal pra caramba". Nos outros dias, pega o carro, coloca algum CD de música sertaneja - "gosto muito de country"- e segue direto para a Prefeitura de São Paulo. Trabalha no 6º andar, em um gabinete sem penduricalhos pessoais e rodeado por relatórios técnicos acomodados em filas de apostilas brancas. Mora sozinho em um apartamento em Pinheiros, na zona oeste. Não tem um livro preferido. É católico, torce pelo São Paulo, é do signo de Leão. E se define assim: "Sou cauteloso, low profile, tenho muito cuidado para não cometer erros."

Aos 45 anos, solteiro, raríssimas vezes reconhecido quando anda nas ruas da cidade, dono de 380 mil votos somados em três eleições para o Legislativo, o vice-prefeito Gilberto Kassab é o sujeito de sorte que assumirá por 32 meses as 21 secretarias e o orçamento de R$ 17, 2 bilhões da Prefeitura de São Paulo - se José Serra deixar o cargo para concorrer à Presidência. Na semana passada, Kassab conversou com o Estado. Falou sobre ele mesmo, mas se recusou a opinar sobre a eventual saída do titular: "Sou o vice do Serra."

Se assumir a Prefeitura, Kassab será o novo representante da linhagem de vices brasileiros que sentaram na cadeira principal por força de uma ajuda do destino, como Geraldo Alckmin, Itamar Franco ou José Sarney. Uma das estrelas do PFL - com todo aquele apego aos bastidores que caracteriza os pefelistas -, ele tem perfil pessoal pouco conhecido dos 10 milhões de habitantes da cidade que pode vir a governar. E acha que não tem muito como ajudar nesse quesito. "Acostumadas aos políticos que incorporam personagens, as pessoas ficam surpresas ao ver gente como eu. Assim tão... normal", diz ele.

Kassab - chamado de Beto pela família - nasceu no bairro de Pinheiros, filho de uma professora e um médico. É o quinto de sete irmãos. Na infância, esteve entre os mais encapetados da casa, era aluno médio no Colégio Liceu Pasteur e gostava de jogar futebol.Cresceu em uma família da classe média, sem grandes sustos, mas que guarda algumas curiosidades.

Uma delas: todos os sete irmãos foram diplomados na Escola Politécnica e também na Faculdade de Economia e Administração - o que rendeu ao pai uma condecoração de recordista em filhos formados pela USP. Outra: com exceção de apenas um irmão, todos moram ao lado da casa dos pais, nas imediações do Clube Pinheiros. E mais uma: não há políticos na família do vice que está na linha de tiro para governar a cidade.

"Acho que a vocação política dele vem do pai", opina o senador Marco Maciel (PFL-PE). Médico e professor, Pedro Salomão José Kassab - o pai - atuou em discussões de políticas públicas e ocupou cargos de destaque em entidades de classe, como o de presidente da Associação Médica Brasileira. Ainda assim, estranhou quando o filho virou um político.

Na faculdade, Kassab foi um aluno certinho. Entrou na Poli com 19 anos e se formou aos 24. E começou o curso de Economia aos 22 e terminou aos 26. Nesse período, atuou em centros acadêmicos. Quando se formou, seguiu para a iniciativa privada. Em 1989, ajudou na campanha de Guilherme Afif Domingos à Prefeitura, tomou gosto pela coisa e se candidatou a vereador, pelo PL. Perdeu. Mas em 1993 entrou para a Câmara Municipal. Depois, foi eleito deputado estadual e, por duas vezes, deputado federal.

Dentro do PFL, o vice-prefeito é um homem poderoso. Entrou no partido a convite do senador Jorge Bornhausen (SC) com a missão de fazer uma faxina no fisiologismo malufista que virou aposto da sigla em São Paulo. Depois - já bem na foto com a cúpula do partido - coordenou jogadas importantes, como a aliança com o PSDB na campanha para o governo do Estado em 2002. Para compor a chapa com Geraldo Alckmin, indicou Claudio Lembo - o vice que assumirá o Estado por nove meses, se o governador de fato sair para disputar a pré-candidatura tucana à Presidência. "Ele sabe coordenar e não gosta de aparecer. É um talento político" , garante Bornhausen, presidente do PFL.

De seu gabinete na Prefeitura, Kassab vive em linha direta com uma trinca pefelista: Bornhausen, Lembo e Marco Maciel, com quem até toma aulas de invisibilidade. Um dos vice-presidentes mais silenciosos da história da República - durante os dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso -, Maciel repassa para o vice-prefeito lições de como manter a discrição à sombra do titular . E ainda tirar partido disso. "É verdade", ri o senador. "No passado se dizia: vice é aquele que conspira. Hoje a sociedade brasileira dá bom peso à conduta de um vice reservado. Pelo que tenho sabido, o Serra está muito satisfeito com ele", completa.

Entre os talentos de Kassab - apontados pelos adversários - está a capacidade de boiar enquanto espera o tsunami passar. Durante a campanha de Serra à Prefeitura de São Paulo, foi apresentado ao grande público por meio de denúncias cabeludas. Uma delas mostrou que seu patrimônio aumentou 316% entre 1994 a 1998, justamente o período em que ele foi eleito deputado estadual e passou pela Secretaria de Planejamento de São Paulo, na administração de Celso Pitta. O vice-prefeito explicou a explosão patrimonial pela sua atuação como empresário e disse que ela constava em seu Imposto de Renda. O Ministério Público ainda investiga o caso. Mas o fato, comemorado no PFL, é que as acusações não provocaram abalos sísmicos na campanha. E Kassab permaneceu quieto, em seu lugar.

Kassab refuta quando é chamado de direita. "Sou do centro. Sou contra intransigências", diz. Mas, em nome do PFL, já andou sendo obrigado a escolher um lado. Um dos episódios mais nevrálgicos aconteceu em 2003, quando o deputado estadual Rodrigo Garcia - seu amigo e sócio nas empresas acusadas de progredir rápido demais - descumpriu orientações do partido e lançou candidatura dissidente à presidência da Assembléia Legislativa, com o apoio do PT. "Mesmo tendo de atuar contra o amigo, Kassab lutou pelos interesses do PFL", orgulha-se Bornhausen. "Ele me chamou para uma conversa e disse: sou seu amigo, boa sorte, mas vou atuar contra a sua candidatura. E ele virou cinco, dos sete votos que perdi", lembra Garcia, que acabou eleito por uma diferença de dois votos e define o sócio assim: "É centralizador, gosta de decidir, não é vaidoso e fala de política o tempo inteiro."