Título: Reciclagem continua um mistério
Autor: Cristina Amorim
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/02/2006, Vida&, p. A22

Quem separa o lixo para reciclagem não tem consciência do que faz. Essa é apenas uma das conclusões de uma pesquisa que capta a percepção das pessoas sobre o lixo, em especial sobre o que é reciclado, feita pela empresa Market Analysis.

Segundo o levantamento, que ouviu 500 adultos em cinco capitais (Belo Horizonte, Curitiba, Porto Alegre, Salvador e São Paulo), 23% não sabem o que é feito com o material recolhido - apesar de 72% participarem de programas de coleta seletiva e se sentirem menos culpados pelo impacto ambiental que causam.

Tem mais: só 27% sabem identificar que tipo de resíduo se decompõe naturalmente - mesmo com dois lixos em casa. "Foi uma surpresa. Escutamos pessoas das classes A, B e C, que têm acesso à informação, mas que não têm consciência de que são agentes de mudança", afirma a coordenadora da pesquisa, Paloma Zimmer.

NOVO COSTUME

O especialista Sabetai Calderoni, autor do livro Os Bilhões Perdidos no Lixo, acredita que a conscientização virá à medida que os programas se consolidem. "A pessoa não sabe o destino do que descarta também por frustração, já que a prefeitura às vezes recolhe e leva tudo para um lixão. Mas a mentalidade está formada, há interesse e valorização", afirma.

Estima-se que apenas 400 municípios brasileiros tenham programas de coleta seletiva, algumas vezes conduzidos por cooperativas e catadores, não pelo poder público.

Segundo Pólita Gonçalves, secretária-executiva do Fórum de Cidadania do Estado do Rio, o número de catadores existentes indica a necessidade do setor: seria um catador para cada mil habitantes em municípios de pequeno e médio portes. Para o economista Jorge Nogueira, da Universidade de Brasília, o número é também reflexo da extrema pobreza que existe no Brasil, e da isenção de responsabilidade sobre o lixo que acomete o setor empresarial.

"Temos uma população de miseráveis que recolhe as latinhas também porque o lixo fica na mão do consumidor final", diz Nogueira. "Fomos catequizados a pensar assim, pelo modelo americano."

O economista explica que, pela tradição européia, quem cuida do lixo é quem o produziu: a empresa. No preço pago pelo produto na Europa, pode estar embutido o custo que a empresa terá para recolher, reciclar e dar o devido tratamento ao que sobra, seja uma latinha de refrigerante ou um carro.

A pesquisa da Market Analysis indica que o brasileiro parece querer seguir esse pensamento, apesar de a legislação aqui beneficiar os produtores.

A maioria dos entrevistados (43%) acredita que a solução para o problema ambiental não está em suas mãos, e 7 em cada 10 consumidores pensam que o preço deve cobrir o custo do dano que a mercadoria causa ao ambiente. "O consumidor tem responsabilidade sim de encaminhar o material, mas não de repensar toda a produção", diz Nogueira.