Título: Brasil cede a barreiras argentinas
Autor: Ariel Palacios
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/02/2006, Economia & Negócios, p. B1

Após meses de intensas negociações e uma exaustiva reta final de 22 horas de reuniões, Brasil e Argentina chegaram ontem a um acordo sobre o Mecanismo de Adaptação Competitiva (MAC). O acerto, que visa a impedir "invasões" de produtos do Brasil na Argentina e vice-versa, estabelecerá cotas com prazo de três anos, que poderá se estender por mais um ano, se for necessário.

Os dois governos disseram tratar-se de uma "vitória do consenso". Para eles, o mecanismo servirá para "estimular mais ainda" o comércio bilateral. Fontes argentinas confidenciaram que no Ministério da Economia o clima era de celebração, pois consideravam o MAC "uma vitória sobre o Brasil".

No setor empresarial, o clima era de frenesi, pelo surgimento de um mecanismo que, segundo líderes industriais, "impedirá a destruição das empresas argentinas". Representantes dos dois governos sustentaram que a existência de um mecanismo como esse significará segurança jurídica para os investidores internacionais.

Segundo o protocolo assinado, o MAC será aplicado quando um setor empresarial de um dos dois países registrar aumento substancial de importações de produtos do outro por um período relevante, de forma a causar dano significativo ou ameaça a um ramo da produção nacional de um produto similar ou diretamente concorrente do outro Estado parte.

Os representantes dos dois governos destacaram que o MAC só será aplicado caso os empresários dos dois países não se entendam. Paralelamente à aplicação do mecanismo será aplicado um Programa de Adaptação Competitiva ao setor prejudicado. Ou seja, enquanto as salvaguardas forem aplicadas, o setor atingido pelas "invasões" terá de adquirir competitividade para enfrentar o rival quando o prazo das cotas expirar.

Para que o pedido de aplicação do MAC possa ser encaminhado, a câmara empresarial ou associação envolvida terá de provar que representa 35% do setor. Isso serve para impedir que associações pequenas entrem com pedidos de salvaguardas que não representam a maioria dos empresários. Entre o pedido e a tentativa de conciliar as partes, incluindo a investigação e a aplicação, poderiam passar mais de 300 dias.

Se nos primeiros 30 dias após a abertura do processo não houver acordo entre os empresários, e no caso de o país do setor atingido considerar que há risco para a indústria, poderá ser aplicada uma salvaguarda provisória.

Aceito o pedido, uma investigação vai determinar se há dano. A partir daí, o país atingido analisará o caso com acompanhamento da Comissão Bilateral de Monitoramento. Apesar disso, a decisão será unilateral.

Se, finalmente, o MAC for aprovado e aplicado pelo país "invadido" e o "invasor" considerar que não é correto, o mecanismo poderá ser revisto. Nesse caso, entra em cena um grupo de três peritos - do Brasil, da Argentina e o terceiro de outro país - que dará a palavra final.

Para determinar o aumento substancial das importações, será avaliado só o período de um ano prévio à data de abertura de investigação. No caso de determinar a existência de um dano significativo, será levado em conta o período de três anos.

SATISFEITOS

Do lado argentino, diversos setores seriam potenciais candidatos ao MAC, entre eles o de eletrodomésticos, calçados e têxteis. Do lado brasileiro, não se descarta a sua utilização por parte de setores agrícolas, principalmente do Sul, como os produtores de arroz, trigo, vinho e cebola, que há anos reclamam da concorrência argentina.

Em coletiva de imprensa na Casa Rosada, a ministra da Economia argentina, Felisa Miceli, e o chanceler Jorge Taiana foram acompanhados pelo vice-chanceler brasileiro, Samuel Pinheiro Guimarães, e o secretário-executivo do Ministério de Desenvolvimento, Ivan Ramalho. Miceli disse que estava "muito satisfeita e otimista" com o MAC. Analistas em Buenos Aires explicaram a satisfação como o resultado de uma "vitória" do governo Kirchner sobre governo Lula.