Título: BC dos Estados Unidos é muito, mas não é tudo
Autor: David Leonhard
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/02/2006, Economia & Negócios, p. B8

Não houve surpresas na reunião do Fed na despedida de Greenspan, que já aceitou ser conselheiro honorário do ministro das Finanças da Grã-Bretanha, Gordon Brown, a propósito o único país ocidental que, a exemplo dos Estados Unidos, vem crescendo consistentemente com uma política saudável. Brown e Greenspan vão formar uma dupla formidável.

O Fed manteve a alta de 0,25 nos juros, levando-os para 4,5%, e dá a entender que pode repetir a dose, mas confirma também que a economia está crescendo em torno de 3,5% e a inflação ainda não é um risco.

O cenário econômico mundial é hoje mais complexo e imprevisível. Muitos analistas concentram-se no peso trilionário dos déficits americanos e se alarmam com o risco de a China deter quase US$ 1 trilhão de reserva cambial, quase toda em títulos americanos. O déficit comercial americano com a China é de US$ 200 bilhões. E se os chineses, o Japão e os demais asiáticos deixarem de financiar os crescentes déficits dos esbanjadores americanos que só em dezembro gastaram US$ 80 bilhões em consumo?

Nem Greenspan e nem Bernanke acreditam nesse risco a curto prazo, pois seria simplesmente o suicídio dos asiáticos que só produzem para exportar e têm apenas o mercado americano e o europeu para venderem seu excesso de produção.

O sistema atual dá forte garantia de que o cenário financeiro não deve mudar no curto prazo, apesar de alguns tropeços.

O RISCO É OUTRO

O que o Fed e nenhum outro BC poderá fazer é evitar outro tipo de crise que já se vislumbra por aí. São as pressões geopolíticas que agora se agravam no Irã.

Ontem a Opep anunciou um acordo de manter o seu nível de produção entre 25 milhões e 28 milhões de barris/dia, mas nem os próprios países membros confiam no Irã. Ninguém pode prever qual será o preço do petróleo nos próximos meses. Alguns já falam em até US$ 100. Há muita especulação, todos querem tirar proveito, mas ninguém, nem os ministros da Opep, confiam nesse ultrafanático Ahmadinejad. É um louco, com poder, capaz de tudo. Não está chantageando, está ameaçando. E tem com o que ameaçar. O petróleo, reservas de quase 90 bilhões de barris. É um perigoso que não teme morrer.

O Irã também não é o Iraque e mesmo uma ação global incluindo EUA, Europa, Rússia, Ásia, enfim, todos os países, para conter a insanidade nuclear iraniana provocará repercussões que abalarão todas as economias. Não é um risco. É uma ameaça.

DESEQUILÍBRIO SOB CONTROLE

Outro aspecto que foge aos fundos é o crescente desequilíbrio na economia mundial impulsionado pela revolução da informática que deu um novo dinamismo à globalização tão bem retratado no livro de Thomas L. Friedman, O Mundo é Plano. Aí também as decisões de taxas de juros terão menos importância. Poderão reduzir as diferenças, mas não mudá-las.

Resumindo, estamos vivendo um mundo novo em que os desafios se desdobram e os que se atrasarem perderão mais rapidamente espaço do que perdiam antes: nós.

O Fed pesa, sim, e a política monetária também, mas os desequilíbrios, os progressos e os atrasos, enfim, o tratamento básico desse mal-estar está na agilidade de atrair investimentos, o que não há no Brasil.

DELFIM, PARA SER MEDITADO

Para quem que ainda criticam o tom um pouco acerbo e às vezes agressivo desta coluna, pedindo um pouco mais de otimismo, transcrevo o primeiro parágrafo do artigo do ex-ministro Delfim Netto, publicado no jornal Valor de terça-feira, com dados estatísticos oficiais irrefutáveis que mostram o verdadeiro desempenho da economia brasileira nos últimos 16 anos. Um quadro simplesmente dramático.

"De 1989 até 2005, a economia brasileira cresceu à taxa média real de 2% ao ano, uma das menores de todo o mundo. No mesmo período, a população brasileira passou de 144 milhões para 184 milhões de habitantes, com uma taxa de crescimento demográfico da ordem de 1,6%. Isso significa que o crescimento do PIB per capita foi de apenas 0,4% ao ano. Esses números são cruéis: nas atuais condições de pressão e temperatura, o PIB per capita só dobrará a cada 175 anos! A convenção demográfica é que a cada 25 anos temos uma nova geração. Logo, o PIB per capita atual só dobraria na próxima sétima geração de brasileiros, lá pelo terceiro quartel do século 22..."

GIANNETTI INDISPENSÁVEL

Delfim elogia o livro O Valor do Futuro, de Eduardo Giannetti, um dos poucos que têm tido a coragem de dizer com toda clareza o que a maioria dos seus colegas, com exceção de Pastore e José Roberto Mendonça de Barros e raríssimos outros, procuram atenuar, até hoje não sei por quê.

Será que o livro dele não está à venda em Brasília, onde economia - isto é, investimento, emprego, miséria, fome, pobreza, marginalidade social - virou tema sem importância?