Título: O que esperar de Ben Bernanke
Autor: David Leonhard
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/02/2006, Economia & Negócios, p. B8

Todo mundo já sentiu um certo nervosismo e emoção quando começa num novo emprego. Assim, imagine como seria ter estado no lugar de Ben Bernanke ontem de manhã.

Há quatro anos, ele era um professor de Economia que nunca havia tido um emprego no governo fora do seu sistema escolar local. Agora, vai entrar numa sala que foi de Alan Greenspan por por quase 20 anos, atravessar um tapete oriental vermelho e azul marinho e assumir o lugar dele atrás da mesa. A partir daí, espera-se que Bernanke mantenha a economia dos Estados Unidos funcionando tranqüilamente.

Desconfio que muita gente não sabe exatamente o que ele vai fazer como presidente do Federal Reserve, mas sabem que tem uma dura tarefa.

Greenspan foi um astro apreciado por várias camadas, um figura de destaque para Wall Street e para a população em geral. Segundo pesquisas de opinião, ele é mais popular do que qualquer político e quase tão apreciado quanto o papa João Paulo II, a rainha Elizabeth e Oprah Winfrey.

Portanto, é compreensível que a maior parte das conversações que levaram à transição de terça-feira tenha se concentrado nas maneiras como Bernanke lutará para estar à altura do padrão Greenspan. Quase ninguém falou sobre coisas que Bernanke talvez possa fazer melhor do que Greenspan. Mas existem algumas, acredite-me ou não, e ele já mostrou alguma promessa em área específica.

A principal realização de Greenspan, como ressaltaram as homenagens dos últimos meses, foi domesticar a inflação. Ele tomou como ponto de partida o sucesso de seu antecessor, Paul A. Volcker, e usou a maior ferramenta do Fed - a taxa de juros sobre empréstimos overnight entre bancos - para manter a economia crescendo sem permitir que os preços fugissem ao controle.

Hoje, uma caixa de cereais é apenas 60%mais cara do que era quando Greenspan ingressou no Fed, há 18 anos. Na década anterior, o preço tinha mais que dobrado. Este foi um grande feito. As famílias podem comprar mais e as empresas podem fazer um melhor trabalho de planejamento para o futuro. As recessões acontecem com menos freqüência e não demoram tanto tempo.

Mas não é a política de taxas de juros o motivo pelo qual a imagem de Greenspan é o que é. Ele elevou-se acima do seu cargo porque se transformou num símbolo de uma economia americana reformulada. Promoveu uma nova flexibilidade, incentivada por empreendedores e pela mudança tecnológica, que é agora motivo de inveja do Japão e da Europa.

Colocando as coisas de outra forma, ele foi uma força singular que nos disse que as mudanças perturbadoras das últimas duas décadas, especialmente a globalização, estavam nos deixando em melhor situação financeira. Na sua sala está pendurado um tratado de 1819 de David Ricardo, um economista britânico que apresentou o clássico argumento em favor do mercado: quando a Inglaterra se especializa em tecidos e Portugal, em vinhos, eles acabam melhores do que se cada um tentasse fazer tudo.

Greenspan repetiu um argumento semelhante várias vezes, e seu prestígio ajudou a criar um consenso bipartidário para a abertura das fronteiras dos EUA. O Nafta - North American Free Trade Agreement (Tratado de Livre Comércio da América do Norte) foi aprovado em 1993 com apoio dos dois partidos e assinado por um democrata, Bill Clinton. Seus sapatos, seu sofá, seu celular e seu carro são mais baratos por causa do comércio global.

Porém, no momento em que Greenspan se retira, esses benefícios não são o principal. O que elas têm em mente é o custo das mudanças. Quando começamos a comprar mercadorias de baixo preço vindas do exterior, muitas vezes isso significa a perda de empregos americanos. Quando adotamos uma nova tecnologia, os ganhos de produtividade freqüentemente também acontecem à custa do emprego de alguém.

Se Greenspan tinha um ponto fraco, foi nunca ter descoberto como falar sobre esses custos. Em vez disso, como muitos economistas, ele demandou uma força de trabalho mais qualificada e repetiu a idéia de que os ganhos de longo prazo com o comércio facilmente superam os custos a curto prazo. Embora isso sem dúvida seja verdade, não é um argumento persuasivo para trabalhadores desempregados, para quem "curto prazo" abrange o resto da vida.

Nos últimos anos, mesmo o consenso da elite em favor de um comércio mais livre começou a ser rompido. Pelo mundo, as negociações comerciais estão em grande parte estagnadas. Ultimamente, poucos democratas do Congresso estão dispostos a votar a favor de tratados comerciais .

Depois que N. Gregory Mankiw, um consultor de Bush, sugeriu na campanha de 2004 que a terceirização seria boa para a economia, alguns republicanos pediram sua cabeça.

Muitos de nós estamos divididos. Por uma ampla margem, os americanos ainda acham que o comércio é bom para a economia, mas existe uma maioria sólida e crescente que quer restrições para proteger as indústrias domésticas.

É aí que entra Bernanke. O que está faltando ao país neste momento é uma figura pública que possa diminuir esta diferença, alguém que possa ressaltar que nenhuma nação elevou seu padrão de vida fechando suas fronteiras, mas também possa falar eloqüentemente sobre os pontos negativos do comércio aberto. E que talvez possa ajudar a propor algumas soluções.

Há quase dois anos, como membro do conselho do Fed, Bernanke viajou para a Carolina do Norte, onde há muitas pessoas cujos empregos foram transferidos ao exterior. Lá, ele fez um discurso que começou com o argumento padrão a favor do comércio, completo com a menção ao tratado de Ricardo. Porém, ele encerrou sua palestra com palavras que são difíceis de imaginar vindo de Greenspan. Os trabalhadores demitidos precisam de ajuda, disse Bernanke.

"Reduzir o ônus representado pelos trabalhadores desalojados é uma coisa certa e justa a ser feita", disse Bernanke. "Se os trabalhadores tiverem menos medo da mudança, menos pressão será exercida sobre os políticos para erigir barreiras comerciais ou tomar outras medidas para reduzir a flexibilidade e o dinamismo da economia americana".

Ele não tomou posição sobre idéias específicas, mas mencionou algumas possibilidades. Poderiam ser mudadas as leis de forma que as pensões e a assistência médica não desaparecessem junto com o emprego. Um seguro salário poderia compensar parte da diferença entre o emprego perdido e o novo emprego. O seguro seria suficientemente baixo para que as pessoas tivessem incentivo para procurar um novo trabalho, mas alto o suficiente para suavizar o golpe.

Nas semanas que antecederam a transferência de cargo de terça-feira, alguns especialistas, incluindo alguns de dentro do Fed, insistiram com Bernanke para ter ambições menores do que Greenspan teve. Não fale sobre grandes idéias, dizem eles - concentre-se nas taxas de juros.

Assim eu propus a questão a Mankiw, o último economista de renome a encrencar-se por falar sobre comércio. Comecei a conversa apontando o óbvio, que vender o comércio para as pessoas é difícil. Mankiw riu. "Aprendi isso da maneira mais difícil", disse ele.

Portanto, será que Bernanke deve se prender a platitudes? De jeito nenhum, disse Mankiw. "Ter economistas inteligentes como Greenspan e Bernanke num posto no qual as pessoas o escutam é muito valioso. Bernanke tem a experiência de ser um professor e autor de livros didáticos. Ele pode mostrar ser muito bom em reduzir as coisas a sua essência. Ele pode se mostrar um comunicador fantástico."

Então, manifeste-se, senhor presidente.