Título: Álcool pode ser saída para os EUA
Autor: Simon Romero
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/02/2006, Economia & Negócios, p. B7

Especialistas criticam taxação sobre o combustível brasileiro em 54%, que é quanto petróleo árabe tem de isenção

Especialistas do setor dizem que, se o presidente Bush quer fazer um esforço para reduzir o consumo de petróleo dos EUA, há algumas soluções à mão. No entanto, com termos como "compostos de carbono" e "novas ligas metálicas", elas podem parecer banais e não causam muita excitação.

Talvez a medida mais significativa que o país pode adotar para reduzir a dependência do petróleo seja mudar o modo que os carros são fabricados, segundo o Instituto Rocky Mountain, organização de pesquisa energética que presta consultoria ao Departamento de Defesa. Os automóveis, por exemplo, usam cerca de 9 milhões de barris de petróleo dos 20 milhões que os EUA consomem por dia. Caminhões, máquinas pesadas e usinas elétricas usam o resto.

Melhorar a eficiência dos motores híbridos, como aqueles do Toyota Prius, e usar ligas metálicas e compostos de carbono avançados em vez do aço mais pesado para a produção de carros poderia dobrar ou triplicar os quilômetros por litro nesses veículos.

"Seguindo esse caminho, poderíamos reduzir nosso consumo em 4 ou 5 milhões de barris por dia", afirmou Odd-Even Bustnes, um diretor do Instituto Rocky Mountain. "O que o presidente disse ontem (no discurso sobre o Estado da União, na terça-feira) é um passo na direção certa, mas não sei se é um passo do tamanho certo." A preservação do petróleo não tem sido uma prioridade do governo, que evita pressionar Detroit para que produza menos utilitários esportivos e mais carros econômicos.

De fato, o financiamento federal para a pesquisa e o desenvolvimento da eficiência energética diminuiu 14% desde 2002, numa base ajustada à inflação. Entre os projetos com patrocínio federal está o Freedom Car, programa do presidente para veículos movidos a hidrogênio, segundo o Conselho Americano para uma Economia Eficiente em Energia.

Outras medidas que Bush deixou de fora do discurso sobre o Estado da União também poderiam trazer grandes vantagens: medidas capazes de realmente refrear o consumo de petróleo, como regras de eficiência de combustível para os carros, um imposto sobre a gasolina ou o aumento das importações de etanol do Brasil.

Embora tenha proposto mais uso de combustíveis alternativos, Bush não disse que a produção desses combustíveis "renováveis", como o hidrogênio ou o etanol a partir do milho, requer grandes quantidades de petróleo. Como se lembrasse aos americanos da importância do petróleo na economia, Barry Russell, presidente da Associação Independente de Petróleo dos EUA, afirmou que "muitas opções de combustível alternativo dependem do petróleo ou do gás natural para seu desenvolvimento efetivo".

Ainda assim, algumas das propostas do presidente impulsionam o debate sobre o que os EUA precisam fazer para diminuir a dependência do petróleo. O etanol, por exemplo, poderia ser feito a partir de outros materiais além do milho, como a "switch grass", gramínea que cresce em abundância nas grandes planícies americanas.

"O etanol está impondo mais diversidade ao grupo dos combustíveis para motores", disse Daniel Yergin, presidente da Cambridge Energy Research Associates. O governo também não quis considerar aumentos de impostos sobre a gasolina, talvez temendo revoltar os motoristas americanos. O Escritório de Orçamento do Congresso estimou em 2004 que um imposto sobre a gasolina de US$ 0,46 por galão, um aumento em relação ao imposto federal de US$ 0,18 por galão cobrado hoje, reduziria o consumo de gasolina em 10% nos próximos 14 anos.

Desse modo, a ênfase no etanol, que vem ganhando simpatia entre as fontes de combustível alternativas, é uma peça central da nova estratégia energética do governo. A produção de etanol a partir do milho nos EUA ainda depende de subsídios, mas o etanol feito da cana-de-açúcar no Brasil compete facilmente com a gasolina. De fato, só depois de o governo brasileiro expor o etanol às forças do mercado, nos últimos anos, seu sucesso ficou claro.

A indústria da cana-de-açúcar do Brasil produz cerca de 160 mil barris equivalentes de petróleo por dia, ajudando o País a atingir a auto-suficiência em petróleo este ano, segundo David G. Victor, diretor do programa de energia e desenvolvimento sustentável da Universidade de Stanford. Mesmo assim, diferentemente do Japão e da China, que têm planos de importar etanol brasileiro, o governo Bush mantém uma tarifa de 54% sobre cada galão de etanol importado.

"É notável não taxarmos o combustível da Arábia Saudita enquanto taxamos o combustível do Brasil", afirmou Gal Luft, co-diretor do Instituto de Análise da Segurança Global, organização de pesquisa de Washington especializada em questões energéticas.

Em vez disso, o governo Bush optou por apoiar o desenvolvimento de uma indústria doméstica para o etanol celulósico, que usaria fibras vegetais hoje descartadas para produzir um combustível de transporte. A tecnologia é promissora, mas não deverá, segundo previsões, ser comercialmente viável antes da próxima década.