Título: O Brasil, os EUA e a energia Editorial
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/02/2006, Economia & Negócios, p. B6

O presidente Bush dedicou 2 minutos e 15 segundos de seu discurso sobre o Estado da União à independência energética. Pode-se dizer que este foi um gesto ousado, que estávamos esperando, depois de anos de aquecimento global e confrontos mortais no Oriente Médio, onde tudo acontece no contexto do que o presidente adequadamente definiu como nosso "vício" em petróleo importado.

O discurso de terça-feira à noite foi lamentavelmente incompleto.

O futuro econômico e a segurança nacional (dos Estados Unidos) dependerão do fato de saber se os americanos conseguirão controlar seu enorme apetite por combustíveis fósseis. Não se trata de incluir o tema numa lista de outras iniciativas a serem mencionadas num discurso que é feito uma vez por ano perante o Congresso. É uma questão-chave para todas as demais.

Se Bush quer que os seus últimos anos na Presidência sejam mais do que uma luta para aplicar políticas que não deram certo e transformar más iniciativas em lei, é aí que ele tem de atacar. E ele terá de fazer isso com muito mais energia e envolvimento do que demonstrou no discurso.

A excessiva dependência dos Estados Unidos por petróleo tem sido um desastre para a nossa política externa. Ela enfraquece a alavancagem internacional do país e dá força exatamente aos países errados. Terça-feira, Bush disse ao povo americano que "as nações do mundo não podem permitir que o regime iraniano tenha acesso a armas nucleares", mas não explicou como isso acontecerá, sabendo-se que essas mesmas nações dependem tanto do petróleo de Teerã. O Irã tem as segundas reservas mundiais de petróleo, atrás da Arábia Saudita, onde membros da elite ajudam a financiar Osama bin Laden e sua gente, e onde os Estados Unidos têm pouca força para contê-los.

O petróleo é um mercado vendedor, em parte por causa do voraz consumo americano. A Índia e a China, cujas necessidades energéticas são crescentes, já deram indicações de que assinarão acordos com o Irã; países não confiáveis, como o Sudão, recebem cobertura política dos países que compram seu petróleo. A ONU pode tentar fazer alguma coisa a respeito do genocídio em Darfur ou da proliferação nuclear, mas os seus membros mais fortes estão presos às alianças com alguns dos piores líderes do planeta, por causa do petróleo.

Ainda que a guerra ao terror não tivesse começado, Bush teria a obrigação de agir seriamente a respeito da questão energética, devido à ameaça que pesará sobre a economia dos EUA se não fizermos nada.

O próprio Departamento de Energia de Bush prevê que com o rápido desenvolvimento da Índia e da China, o consumo global passará de 80 milhões de barris para 119 milhões de barris de petróleo por dia, em 2025. Se não se fizerem esforços para reduzir o consumo nos EUA, essa nova demanda fará o preço do petróleo disparar e a inflação subir, e levará à perda das vantagens comerciais americanas. Deveria ser um choque humilhante para os líderes americanos o fato de o Brasil ter conseguido se tornar auto-suficiente em energia num período em que os Estados Unidos preocupavam-se em fabricar utilitários urbanos cada vez maiores.

Parte da resposta, como Bush indicou em seu discurso, é o continuo desenvolvimento de combustíveis alternativos, especialmente para automóveis. O Departamento de Energia tem atacado o problema modestamente, e o presidente informou que daria mais dinheiro para essas pesquisas. Isso é bom, mas não é o tipo de iniciativa que envolva a nação e injete enormes somas de dinheiro na produção comercial de alternativas à gasolina.

No que se refere aos automóveis, boa parte dessa pesquisa já foi feita. O Brasil conseguiu a independência energética ao calcular como conseguir fazer seus cidadãos irem de casa para o trabalho de carro, sem gastarem muita gasolina. A resposta é produzir os novos combustíveis que já foram desenvolvidos e pôr no mercado carros que possam usá-los em grandes volumes.

Há vários modos de tornar isso possível. O presidente poderia exigir dos fabricantes padrões de eficiência mais altos. Poderia discutir a questão do imposto sobre a gasolina - o modo mais eficiente de fazer os americanos comprarem carros mais econômicos - e um imposto sobre o consumo, que os legisladores conservadores deveriam aprovar, se fossem honestos consigo mesmos e com seu eleitorado. Mas Bem vez disso, Bush preferiu o caminho seguro, fácil e relativamente sem sentido.

Há ainda um número enorme de coisas a serem feitas para descobrir novas fontes de energia limpa e barata para aquecer as residências e gerar eletricidade. Mas, infelizmente, o presidente deixou claro que prefere gastar os recursos do país no corte dos impostos que recaem sobre os mais ricos.

As empresas petrolíferas estão obtendo altíssimos lucros com os mesmos preços altos que atormentaram os consumidores, e o presidente deveria ter perguntado aos legisladores da Câmara e do Senado se os atuais cortes de impostos poderiam ser redirecionados para uma iniciativa energética efetiva.