Título: Subsídio ao algodão:EUA driblaram OMC
Autor: Denise Chrispim Marin, Jamil Chade
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/02/2006, Economia & Negócios, p. B4

Itamaraty diz que decisão da organização não foi acatada

O Brasil não ficou satisfeito com a decisão do Congresso dos Estados Unidos de eliminar os subsídios à exportação de algodão, um dos mais contestados pelo governo brasileiro na Organização Mundial do Comércio (OMC). Em nota, o Itamaraty deixa claro que a extinção desse subsídio - o chamado "passo 2" - não esgota as obrigações emanadas das decisões do Órgão de Solução de Controvérsias (OSC) para o caso.

Na quarta-feira, os congressistas norte-americanos decidiram eliminar o programa de subsídios à exportação de algodão conhecido como "passo 2". O passo 2 envolve pagamentos do governo americano a exportadores e consumidores de algodão. Trata-se de um meio de cobrir a diferença entre os preços do produto americano e os cobrados no mercado internacional.

Esses subsídios tornam, portanto, o algodão americano o mais barato do mundo. O programa foi condenado pela OMC no ano passado, depois que o Brasil contestou os subsídios em Genebra.

Para Marcos Jank, presidente do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Icone), a decisão não é um grande avanço. "Os americanos simplesmente cumpriram tardiamente o que determinava o contencioso da OMC", diz Jank.

Segundo ele, os subsídios que serão eliminados pelos EUA correspondem a apenas US$ 250 milhões, de um total anual de US$ 4 bilhões de subsídios ao algodão.

A nota do Itamaraty informa que o governo brasileiro acompanhará o tema "com atenção" e manterá contato com as autoridades americanas para obter o "pleno cumprimento, por parte dos Estados Unidos, das determinações do OSC".

Apesar de a decisão ter sido tomada na quarta-feira, na prática, o subsídio só será eliminado no dia 1º de agosto deste ano. O fato não passou despercebido ao Itamaraty, que informou, na nota, que a legislação aprovada pelo Congresso americano terá de ser submetida a sanção do presidente George W. Bush e será aplicada apenas a partir de 1º de agosto deste ano.

EMENDA BYRD

Um caso mais grave é das regras de imposição de taxas de antidumping. Brasil, México, Canadá e outros seis países conseguiram que a OMC condenasse, em 2003, uma lei americana que possibilitava que os valores de sobretaxas à importação fossem transferidos para empresas que estavam sofrendo a concorrência estrangeira.

A lei, conhecida por Emenda Byrd, distribuía entre as siderúrgicas americanas, por exemplo, o que era coletado nas aduanas quando um produto brasileiro, mexicano, europeu ou japonês importado pelos EUA era alvo de tarifa antidumping.

A OMC julgou a lei ilegal. Mas, desde 2003, os americanos vêm mantendo a norma em vigor e distribuindo os recursos pagos por empresas estrangeiras às companhias americanas. Japoneses e europeus já adotaram retaliações contra produtos dos Estados Unidos, mas os demais países que saíram vitoriosos da disputa optaram por esperar, como foi o caso do Brasil.

Agora, o Congresso americano finalmente revogou a Emenda Byrd e o governo dos Estados Unidos se apressou em declarar o fato como prova do compromisso de Washington com as leis da OMC. O problema, segundo o Itamaraty, é que a eliminação do programa somente ocorrerá a partir do dia 1º de outubro de 2007.

Na realidade, portanto, os EUA poderão continuar distribuindo dinheiro ilegal para suas empresas por quase dois anos ainda. Quando, finalmente, tiverem cumprido a lei, Washington terá levado cinco anos entre a condenação que recebeu da OMC e a mudança de sua legislação.