Título: Acordo com Argentina expõe divisão entre Furlan e Amorim
Autor: Renata Veríssimo
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/02/2006, Economia & Negócios, p. B1

Ministro do Desenvolvimento ficou insatisfeito com termos e chanceler teve de defender documento sozinho

A assinatura do acordo entre Brasil e Argentina estabelecendo o Mecanismo de Adaptação Competitiva (MAC) expôs uma divisão dentro do governo. Nos bastidores, o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior deixou claro que ficou insatisfeito, mas assinou o documento por considerar que no momento não havia outra solução. O MAC só saiu por pressão e insistência do Itamaraty.

O descontentamento da equipe do ministro do Desenvolvimento, Luiz Fernando Furlan, ficou claro ontem. Diante da repercussão negativa do MAC na imprensa e no empresariado nacional, decidiu-se que seria dada uma entrevista coletiva. Nela, o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, teve de defender o acordo sozinho.

O ministro do Desenvolvimento era contra a proposta do Itamaraty de fixar 31 de janeiro como prazo final para o acordo. Na opinião de Furlan, os negociadores precisavam de mais tempo. No entanto, foi voto vencido. No Dia da Amizade Brasil-Argentina, 30 de novembro, os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Néstor Kirchner se encontraram em Puerto Iguazú e acertaram o prazo.

No entendimento dos diplomatas brasileiros, esse seria um importante sinal de boa vontade por parte do Brasil. Segundo um interlocutor do governo, eles argumentavam, também, que os empresários brasileiros seriam beneficiados com a retomada econômica do Mercosul. Por isso, caberia ao empresariado assumir parte do risco da adoção do MAC.

Diante do prazo curto para a negociação, os técnicos do Ministério do Desenvolvimento consideraram melhor fechar um acordo com algumas restrições, mesmo com várias brechas, do que correrem o risco de a Argentina aplicar medidas unilaterais de restrição às exportações de produtos brasileiros, como já fez no passado com calçados e produtos da chamada linha branca (geladeiras, máquinas de lavar roupa, fogões, etc.).

Os técnicos avaliaram que algumas restrições para a aplicação do mecanismo, incluídas no último momento, são importantes para proteger a indústria brasileira. Entre elas, o ponto mais defendido por Furlan: a abertura de consultas bilaterais por 30 dias após o pedido de abertura de um processo de aplicação de salvaguardas. Mas, mesmo nesse item, os argentinos conseguiram uma exceção que não agradou: a que permite aplicar a salvaguarda provisória caso não haja acordo nesse prazo.

Outro ponto considerado importante pelo Ministério do Desenvolvimento é o requisito para fazer a denúncia. A Câmara empresarial ou associação industrial do setor terá de provar que representa 35% do setor.

ACORDO AUTOMOTIVO

Os negociadores do Ministério do Desenvolvimento não tiveram êxito, no entanto, na tentativa obter vantagens para o novo acordo automotivo Brasil-Argentina, que ainda está sendo negociado e precisa ser fechado até março. Eles queriam que algumas concessões feitas no acordo para aplicação do MAC fossem compensadas no acordo automotivo, mas o prazo exíguo atropelou as discussões.