Título: Charges derrubam diretor de jornal
Autor: Reali Júnior
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/02/2006, Internacional, p. A14

'France Soir' foi um dos que publicaram caricaturas do profeta, repudiadas pelo mundo islâmico. Crise se alastra

Os protestos do mundo muçulmano contra a publicação de caricaturas do profeta Maomé estão causando uma forte reação de solidariedade entre os principais jornais europeus, que procuram defender a liberdade de expressão e o direito de publicação dos cartuns.

Jornais de diversos países como Noruega, Alemanha, Espanha, Itália e Suíça têm reproduzido com grande destaque as caricaturas que provocaram a fúria do mundo islâmico e foram publicadas originalmente em 1.º de setembro pelo jornal dinamarquês Jyllands-Posten.

Mas essa solidariedade da imprensa à liberdade de expressão teve ontem sua primeira vítima: o diretor do jornal France Soir, Jacques Lefranc, foi demitido, poucos dias após o diário reproduzir algumas das caricaturas. O dono do jornal francês, o franco-egípcio Raymond Lakah, procurou justificar sua decisão dizendo que a demissão constituía "um sinal forte de respeito aos credos e às convicções íntimas de cada indivíduo".

O ministro francês do Interior, Nicolas Sarkozy, criticou a demissão de Lefranc. O France Soir, um jornal tradicional parisiense, encontra-se numa situação financeira das mais delicadas e teve sua concordata declarada.

O chanceler francês, Philippe Douste-Blazy, disse a jornalistas que a liberdade de imprensa não podia ser posta em dúvida, mas pediu moderação.

A França viveu no fim do ano passado duas semanas de violentas manifestações de jovens muçulmanos de origem africana que se queixavam de discriminação. Milhares de automóveis e centenas de prédios foram incendiados durante os protestos. Teme-se que a polêmica causada pelas reproduções das caricaturas possa provocar novos distúrbios.

A demissão de Lefranc foi decidida após a reprodução de 12 caricaturas de Maomé na edição do dia 1.º. "Sim, nós temos o direito de publicar a caricatura de Deus", destacou o jornal na primeira página, justificando sua decisão em editorial: "Não há nesses desenhos nenhuma intenção racista, nenhum desejo de denegrir uma comunidade."

A tradição islâmica proíbe a reprodução de imagens do profeta Maomé para evitar a idolatria. A fúria do povo islâmico contra as caricaturas - entre elas uma que mostra o profeta Maomé com um turbante no qual se destacava uma bomba - intensificou-se depois que vários países europeus reproduziram as caricaturas nos últimos dias. O jornal dinamarquês Jyllands-Posten pediu desculpas na segunda-feira pelas caricaturas e o grupo muçulmano que iniciou os protestos aceitou-as, mas vários países islâmicos disseram que elas não foram suficientes.

Militantes palestinos armados protestaram ontem na Faixa de Gaza diante do escritório da União Européia e disseram que cidadãos da França, Noruega, Dinamarca e Alemanha serão considerados seus alvos a menos que os quatro governos se desculpem pela publicação dos cartuns. A Dinamarca e a Noruega fecharam suas representações na Faixa de Gaza por causa das ameaças. Muitos diplomatas e jornalistas europeus também abandonaram os territórios palestinos temendo represálias. Protestos também ocorreram ontem no Paquistão e na Líbia.