Título: Brasil deve votar contra Irã na AIEA
Autor: Denise Chrispim Marin
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/02/2006, Internacional, p. A12

Chanceler Celso Amorim diz que há possibilidade de que emendas evitem sanções automáticas ao país

O Brasil deverá votar favoravelmente a uma resolução européia pedindo que a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) encaminhe o programa nuclear do Irã ao Conselho de Segurança (CS) da ONU.

A AIEA é um órgão da ONU que supervisiona o uso pacífico da energia nuclear. Ontem essa agência iniciou em Viena, onde fica sua sede, uma reunião de emergência dos 35 membros de sua junta de governadores - da qual o Brasil faz parte - para decidir se envia o caso iraniano ao CS. Isto porque há suspeitas de que o Irã tenha planos de fabricar armas atômicas - aumentadas depois que o país retomou suas pesquisas para enriquecer urânio, em janeiro. A expectativa ontem era de que apenas Síria e Cuba, e talvez Venezuela, votassem contra.

O CS é a instância máxima da ONU e tem o poder de impor sanções aos países que descumprem normas internacionais. Seus membros com poder de veto - a Rússia, EUA, França, Grã-Bretanha e China -, chegaram a um acordo para só enviar o caso iraniano ao CS após a aprovação da AIEA e da reunião regular do órgão em março. Também não há, por enquanto, referência a sanções.

No Itamaraty, o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, afirmou que o texto da resolução (apresentada por França, Alemanha e Grã-Bretanha) acolheu duas premissas defendidas pelo Brasil, África do Sul, Índia e Argentina - países que se articularam conjuntamente para a discussão do tema. Amorim também informou que havia possibilidades de serem aprovadas as emendas propostas por esse grupo com o objetivo de evitar sanções automáticas contra Teerã.

"Se os negociadores puderem adotar as nossas emendas e evitar as ambigüidades que possam levar à aplicação automática de sanções, votaremos a favor do dossiê. Votar contra está excluído", afirmou. "Se não só o texto, mas as nossas interpretações sobre o seu conteúdo, e as nossas emendas forem aceitas, nossa tendência seria apoiar esse entendimento."

Ao dar as declarações, no meio da tarde, o chanceler ressaltou que havia lido o rascunho do dossiê cinco horas antes e que as discussões em Viena, onde está a sede da AIEA, prosseguiam de forma dinâmica. Portanto, deixou espaço para uma possível abstenção do Brasil.

Segundo Amorim, a resolução da AIEA será apenas um instrumento informativo para o CS, que deverá permitir uma solução diplomática para o caso do Irã. A primeira premissa exigida pelo Brasil e seus aliados diz respeito ao reconhecimento do direito do Irã de desenvolver pesquisas e projetos na área nuclear, mesmo o enriquecimento do urânio, desde que com finalidade pacífica. Segundo Amorim, esse princípio está definido no Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares (TNP), do qual o Irã é signatário. "Por isso mesmo, o país (Irã) terá de dar garantias de que está usando a tecnologia nuclear para fins pacíficos."

A segunda premissa trata da necessidade de um um país que se omitiu em dar informações à comunidade internacional sobre as pesquisas nessa área - ou "qualquer outro motivo" - passar por um "período de recuperação da credibilidade".

Essa premissa impediria, por exemplo, a adoção de qualquer punição precipitada contra Teerã, caso o governo iraniano se disponha a respeitar as regras internacionais sobre a informação de seu programa nuclear e as inspeções da AIEA. Alargaria, portanto, a via diplomática. A previsão é que a votação seria hoje ou amanhã, já que a agência tem por princípio buscar o máximo de consenso.

O Irã informou ontem a AIEA que, se for levado ao CS, deixará de permitir inspeções aleatórias em suas instalações nucleares e retomará o enriquecimento de urânio. Por enquanto, os iranianos só reiniciaram as pesquisas para enriquecer o minério.