Título: População ataca soldados da ONU
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Fonte: O Estado de São Paulo, 14/01/2006, Internacional, p. A9

Um novo incidente na fronteira entre o Haiti e a República Dominicana reforçou a impressão de que a Missão de Estabilização da ONU (Minustah), vive um momento delicado. Manifestantes apedrejaram um carro blindado do contingente espanhol dos capacetes-azuis, forçando-o a fugir. O protesto se deu em razão da morte de 25 imigrantes haitianos que tentavam deixar o país a bordo de um caminhão em Quanaminthe. Embora legistas tenham afirmado que os corpos não tinham marcas de violência, os soldados são acusados de terem atirado contra o veículo.

A escalada da crise, na proximidade das eleições presidenciais, levou os sete países da América Latina que cederam tropas à missão da ONU no Haiti a convocar uma reunião de urgência, segunda-feira, em Buenos Aires, para tratar da situação. Participarão os vice-ministros da Defesa e das Relações Exteriores do Brasil, Argentina, Chile, Equador, Guatemala, Peru e Uruguai, segundo a chancelaria argentina. Do grupo fará parte, ainda, o secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), José Miguel Insulza, e o enviado especial da ONU para o Haiti, Juan Gabriel Valdés, ambos chilenos. Valdés chefia a missão em Porto Príncipe e a ele estão subordinadas as tropas que o Brasil lidera.

O aumento da violência nas cidades haitianas ameaça a realização das eleições gerais e alimenta o debate sobre uma eventual retirada brasileira. Diante da indefinição em torno das ações militares, bandos armados de seguidores do ex-presidente Jean Bertrand Aristide retomaram o controle das áreas mais pobres de Porto Príncipe, entre elas as favelas de Cité Soleil e Bel Air, esta perto do Palácio Presidencial.

Esses mesmos grupos são responsáveis pelo grande número de seqüestros na capital. Apenas em dezembro de 2005, 400 pessoas foram levadas por bandidos. O número de feridos por disparos de armas de fogo também subiu nos primeiros dias de janeiro. Antes de morrer, o comandante das tropas da ONU, o general brasileiro Urano Bacellar havia recebido ordens de ocupar Cité Soleil, mas discordava da medida.

A região, onde moram 300 mil pessoas em condições miseráveis, está sob controle dos soldados jordanianos, sobre quem pairam críticas dos moradores. Os militares árabes, que não teriam um bom relacionamento com os brasileiros, são acusados de agir com violência nas incursões que fazem com a polícia haitiana. Amã tem 400 soldados a mais que o Brasil e estaria interessada em assumir a missão.

O pleito foi adiado quatro vezes, também em função da incapacidade da ONU em organizar as seções eleitorais e distribuir os títulos à população. A excessiva burocracia da instituição é apontada como um dos maiores entraves ao processo de estabilização, voltado para consolidação de um governo democrático pelas urnas. Analistas afirmam que o modelo não cabe para o país mais miserável das Américas.