Título: Os políticos e a crise fiscal
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Fonte: O Estado de São Paulo, 07/02/2006, Notas e Informações, p. A3

Em dez anos, as despesas do governo federal, excluídos os investimentos, cresceram 77% acima da inflação. Em média, houve uma expansão real anual de 5,8%, acentuadamente maior do que o crescimento do PIB, que ficou em torno de 2,5%. Nos três anos do governo Lula, a média de aumento dos gastos correntes foi de 6,23% acima da inflação.

Esses números, compilados pelo economista Raul Velloso e publicados no jornal Valor, revelam a dramática situação das contas públicas. Se a eles se acrescentar a informação de que o nível dos investimentos do governo federal, nesses dez anos, caiu de 0,6% do PIB para 0,5% - depois de ter alcançado 0,9%, 1,2% e 0,8% no triênio 2000-2002 -, a conclusão é que a situação é mais que calamitosa: é explosiva. O governo está retirando praticamente 37% de tudo o que os brasileiros produzem apenas para sustentar a rotina de uma administração que não retribui, com serviços de qualidade, aos esforços dos contribuintes.

E o mais grave de tudo é que não se percebe, entre os candidatos e partidos que se preparam para disputar as próximas eleições presidenciais e parlamentares, a mínima disposição de discutir as soluções para os problemas estruturais e de gestão que já colocam o Brasil num beco sem saída. A oposição está preocupada apenas em demonstrar que o governo, por não ser sério, é ineficiente, e que o PT está atolado no escândalo do mensalão e delitos conexos. O governo, por sua vez, usa todas as suas forças para demonstrar que é o contrário do que diz a oposição, enquanto o presidente Lula - mais candidato do que nunca - fica extasiado diante das pífias realizações de seu governo e promete para os próximos quatro anos maravilhas que não poderá realizar.

E assim, já posta em marcha a campanha eleitoral, discute-se tudo, menos o que mais importa para os brasileiros. Afinal, sem que se reduzam os gastos correntes e se aumentem os investimentos públicos, a queda dos juros e o crescimento da economia no ritmo que o Brasil precisa não passam de temas acadêmicos. Causa espanto a alienação dos responsáveis pela condução da política econômica a respeito da necessidade imperiosa de um eficiente ajuste fiscal. Ainda ontem, o ministro Antonio Palocci - uma das figuras mais lúcidas do governo Lula - declarava: "Não podemos e não devemos fazer relaxamento fiscal. Se houver necessidade de esforço complementar, ele tem de caminhar na redução dos gastos e de uma melhor gestão desse gastos."

Se houver necessidade?! O que mais precisará acontecer para que autoridades e políticos se convençam de que as possibilidades de crescimento mais acelerado já se esgotaram e que esse tipo de parasitismo estatal que suga as energias da sociedade levará o País à estagnação?

Criou-se um sistema perverso de transferência de renda. Uma parte considerável do que a sociedade produz é transferida, por meio de tributos, para o Estado, que esteriliza os recursos que sustentariam o desenvolvimento. Programas sociais bilionários dão de comer a milhões de pobres, mas não os tiram da pobreza. Um sistema previdenciário mal concebido desequilibra as contas públicas cronicamente. Entre 1995 e 2005, os benefícios da Previdência tiveram um aumento real - acima da inflação - de 108% e os da Lei Orgânica de Assistência Social, de 560%. Em 2006, as despesas do INSS atingirão 7,5% do PIB e estima-se que superem os 9% em quatro anos. Só essa progressão levaria as finanças públicas à garra. No entanto, como adverte o economista Fábio Giambiagi, "todo mundo, todas as forças políticas fazem de conta que o problema não existe".

E não é só isso. No final de 2007 expiram duas gambiarras feitas para evitar o colapso das contas públicas: a prorrogação da CPMF e a Desvinculação dos Recursos da União. Estivessem os políticos seriamente preocupados com o futuro do País, esses temas estariam em discussão, mesmo porque a solução definitiva da questão fiscal envolve reformas constitucionais profundas e, naturalmente, demoradas. Mas, desde já, pode-se prever que esses problemas serão empurrados com a barriga, como tudo o que se refere ao imbróglio fiscal, porque os políticos consideram a sua primeira obrigação ganhar eleições a qualquer custo, e não resolver os verdadeiros problemas nacionais.