Título: "O Supremo não pode se partidarizar"
Autor: Vannildo Mendes
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/02/2006, Nacional, p. A7

Defensor da intervenção federal nos Estados que fazem do calote uma rotina, crítico sem tréguas das medidas provisórias em excesso, admirador declarado do presidente da República - a quem chama de "um grande brasileiro, homem muito bem-intencionado"- e avesso à partidarização do Supremo Tribunal Federal (STF), o desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo Enrique Ricardo Lewandowski é o quinto ministro indicado por Lula para a mais alta corte judicial. Ele vai ser submetido à sabatina pelo Senado.

Aos 57 anos, filho de Waclaw Marian, industrial polonês que chegou ao Brasil na década de 40, e de Karolina Zofia, suíça, Lewandowski nasceu no Rio, em 11 de maio de 1948. Foi advogado - formou-se em 1973 na Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo, berço do PT e do sindicalista Lula.

Antes de vestir a toga, pelo quinto constitucional (classe dos advogados), ele ocupou os cargos de secretário de Governos e de Assuntos Jurídicos de São Bernardo, no período de 1984 a 1988 (administração Aron Galante, do PMDB), e foi conselheiro da seccional paulista da OAB (1987/89). Também fez advocacia pública, na defesa dos interesses de prefeituras e Câmaras Municipais. Considera-se um técnico, nunca foi filiado a partido.

O futuro ministro tem 3 filhos e é professor titular de Teoria Geral do Estado da Faculdade de Direito da USP. Ocupa a vaga aberta com a aposentadoria de Dalmo de Abreu Dallari. Lewandowski foi aprovado por unanimidade com a tese "Globalização, Regionalização e Soberania". Ele prega a erradicação do nepotismo, "em todos os poderes porque não existe só no Judiciário", e sustenta que os juízes cumprem jornada de "trabalho hercúleo, insano, solitário, muitas vezes incompreendido".

Em 15 anos de magistratura - 8 anos no Tribunal de Alçada Criminal e os últimos 7 no TJ -, despachou 15 mil votos, ou 3 por dia segundo seus cálculos. Entre as decisões que tomou no TJ, como integrante da 9.ª Câmara de Direito Público, uma das mais importantes foi a que impôs ao Estado pagamento de indenização à viúva de Mário Josino, assassinado por policiais na Favela Naval, em Diadema, em 1997. Na sua pauta de trabalho não há processos atrasados.

A indicação de Lewandowski mereceu apoio do mundo jurídico. Em São Paulo, o presidente da OAB, Luiz Flávio Borges D'Urso, disse que ele "tem tido atuação brilhante na Justiça decorrente de suas qualidades profissionais e humanas". Ontem, o desembargador falou sobre o desafio que o aguarda.

O STF deve ter um papel político ou técnico?

O STF faz uma interpretação, uma leitura política da Constituição, mas não no sentido político-partidário. Político no sentido institucional, visando aos interesses do Estado. O STF não pode se partidarizar. A Constituição, no entanto, é um instrumento político. Ela tem que ser lida politicamente, tendo em vista os interesses maiores do Estado e da República. As decisões do STF são políticas porque ele é encarregado de interpretar esse sentimento constitucional da Nação.

Muitos juízes criticam a forma de composição do STF, que dá amplos poderes ao presidente.

É a regra do jogo, no sistema presidencialista. Minha indicação partiu de um homem com quase 60 milhões de votos.

Como evitar caixa 2 e mensalão?

Temos que mudar a cultura brasileira, com relação à política e à ética sobretudo. Por mais que se faça leis fortes, leis draconianas, dificilmente se pode evitar totalmente o caixa 2. Uma fiscalização mais efetiva por parte da Justiça Eleitoral e a atuação da Receita são mecanismos que podem ser aplicados de forma preventiva e repressiva. Como cidadão brasileiro essas notícias (sobre mensalão) me impressionam, estou apreensivo. Desse processo de fiscalização é fundamental o engajamento da própria sociedade, do empresariado, do contribuinte e da imprensa, que tem um papel de extraordinária importância para o País.

O sr. é amigo do presidente Lula?

Admiro o presidente, ele é um grande brasileiro que procura acertar na questão econômica. Realiza um belo trabalho, homem bem-intencionado, exemplo de humildade que chegou lá por esforço próprio. Sobre ele não pode pairar nenhuma dúvida. Fui criado em São Bernardo. Eu o conheci como todos no ABC o conhecem. Mas não tivemos um contato pessoal maior.

Lula disse que o Judiciário é uma caixa-preta.

A figura de linguagem faz parte do jogo político. Quantas vezes também o Judiciário, através de suas lideranças, tem feito observações críticas em relação aos outros poderes? Faz parte do jogo democrático. Algumas expressões mais felizes, outras menos felizes, é da natureza da liberdade de expressão.

As leis não pegam no Brasil?

Temos leis suficientes, mas acho que tivemos problemas muito sérios desde Getúlio Vargas com a profusão de decretos leis. Essa capacidade que se outorgou ao presidente da República de legislar por decreto atropela muito. A enorme quantidade de medidas provisórias atrapalha muito o ofício de julgar. Temos leis municipais, estaduais e federais. Muitas vezes temos dificuldades em saber qual é a lei efetivamente em vigência, é um grande complicador.

Seus pares dizem que o Estado é o maior responsável pela lentidão da Justiça.

O Estado é um grande recorredor. Recorre até as últimas instâncias. Isso posterga os pagamentos, então o Estado se vale de todos os meios e artifícios jurídicos para atrasar seus compromissos. É muito ruim, injusto com o cidadão credor que tenha sido expropriado. Muitos morrem no curso das ações sem receber. Contra o Estado mau pagador defendo intervenção. É a última arma para fazer com que honre seus compromissos.