Título: Haiti elege Congresso e presidente
Autor: José Maria Mayrink
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/02/2006, Internacional, p. A12

Mais de 3 milhões de haitianos, dos 3,5 milhões de eleitores inscritos, retiraram seus títulos para votar, mas será uma surpresa se metade deles comparecer às urnas hoje, na primeira eleição presidencial do Haiti desde a queda do ex-padre salesiano Jean-Bertrand Aristide, em 2004. A abstenção, que chegou a 70% em 1990 e 2000, quando Aristide se elegeu presidente, é uma das preocupações das Nações Unidas, fiadora das eleições. Além de eleger o presidente da República, entre 33 candidatos, os haitianos vão escolher 30 senadores e 99 deputados.

"Se o Haiti conseguisse agora passar dos 50% de comparecimento, seria uma vitória da cidadania", disse o professor Ricardo Seitenfus, especialista em Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa Maria (RS) e observador do Itamaraty em Porto Príncipe. O diretor-geral do Conselho Eleitoral Provisório, Jacques Bernard, fez um apelo aos eleitores que tiveram a oportunidade de freqüentar a escola que ajudem os analfabetos, mais de 60% da população, a votar.

A Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti (Minustah) mobilizou todas as suas tropas, 7.500 soldados e cerca de 2 mil policiais, para distribuir o material eleitoral e dar segurança aos eleitores. "Estamos de prontidão por 48 horas, desde o meio-dia de hoje (ontem)", disse o tenente-coronel Fernando Cunha Mattos, chefe do serviço de imprensa do Batalhão Haiti, que tem 1.200 homens no país.

Responsáveis pela segurança de pontos-chave de Porto Príncipe e municípios vizinhos, os brasileiros controlam uma área que concentra 25% dos eleitores inscritos. É de suas bases, a do Exército no campus da Universidade Tabarre e a dos Fuzileiros Navais no aeroporto, que saíram os comboios de jipes e caminhões com cédulas e urnas para os postos de votação.

De 88 centros sob seu controle, 17 são "postos vermelhos", localizados em zonas de risco. "A alguns locais só conseguimos chegar após nove horas de viagem, escoltando carregadores e mulas, em regiões montanhosas e sem estradas", informou o comandante Adriano Lauro, do Corpo de Fuzileiros Navais, responsável pela distribuição do material num raio de 80 quilômetros, entre Porto Príncipe e a fronteira da República Dominicana.

Na capital, o desafio é Cité Soleil, ocupada por gangues e bandidos que não deixam a polícia e as tropas da ONU entrarem em seu território. Os 55 mil eleitores desse bairro-favela terão de sair para votar nos arredores, porque o Conselho Eleitoral Provisório decidiu não instalar urnas no local. Cité Soleil é o abrigo de seqüestradores que nos últimos meses aterrorizam o Haiti.

Um dado animador às vésperas das eleições: os seqüestros, que passaram de 150 em dezembro e chegaram a 21 em janeiro, caíram para zero na primeira semana de fevereiro. Na interpretação de oficiais do batalhão brasileiro, os seqüestradadores que supostamente apóiam o candidato René Préval, favorito nas pesquisas de intenções de votos, teriam dado uma trégua para não prejudicar sua esperada vitória.

Os eleitores - muitos dos quais terão de percorrer a pé distâncias superiores a cinco quilômetros - terão de seguir as normas de etiqueta da tradição haitiana, segundo explica uma funcionária do Centro Eleitoral Provisória, Josepha Gauthier. "Os homens devem ter a camisa dentro das calças e as mulheres devem vestir-se adequadamente", explica. "Não serão toleradas armas nem nenhuma peça de roupa que possa se caracterizar como propaganda eleitoral."

Estabelecimentos comerciais, escritórios e escolas ficarão fechados por três dias e a circulação de motocicletas, veículo preferido pelos membros de gangues, está proibida hoje.