Título: Em Brasília, discussões e pressão internacional
Autor: Maurício Moraes e Silva
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/02/2006, Link, p. L10

Deputados e pesquisadores temem escolha 'atropelada'

A definição de como será o Sistema Brasileiro de TV Digital (SBTVD) vem se arrastando desde 1994. O processo só começou a avançar pra valer há dois anos, quando o governo federal chamou a comunidade científica para participar. Ao todo, 79 instituições de ensino e pesquisa de todo o País debruçaram-se sobre o tema, desenvolveram soluções e apresentaram relatórios. Falta pouco para o resultado conclusivo do trabalho ser divulgado para a sociedade, mas há o medo de que o ministro das Comunicações, Hélio Costa, "atropele" tudo.

Ele anunciou que tomará uma decisão nesta sexta-feira, mesma data da divulgação do relatório com as recomendações que deveriam ajudar na escolha. Por conta disso, as discussões esquentaram. Temendo uma atitude precipitada, os deputados federais resolveram participar do processo. Ao mesmo tempo, representantes dos padrões americano, europeu e japonês de TV Digital decidiram iniciar um "leilão de vantagens" para convencer o governo a adotar os seus sistemas.

Na outra ponta, pesquisadores têm receio de que uma decisão intempestiva possa jogar fora todo o trabalho já desenvolvido - e os R$ 65 milhões investidos no SBTVD. "A TV digital é um prato para se comer morno", diz o professor Marcelo Zuffo, da Universidade de São Paulo (USP), um dos 1.300 pesquisadores que estudam o sistema. "Uma decisão precipitada vai prejudicar setores importantes da sociedade brasileira."

Para se ter uma idéia do impacto da mudança do sistema analógico para o digital, basta ver os números sobre o mercado de televisão no Brasil. A quantidade de aparelhos em funcionamento deve chegar a 100 milhões este ano. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 90% das residências do País tinham TV em 2004.

Qualquer erro custará milhões de reais e afetará as emissoras, a indústria de eletroeletrônicos e, principalmente, a população. Como o processo todo de mudança deve durar 15 anos, não há espaço para falhas. "O Brasil nunca esteve tão preparado para tomar uma decisão isenta", acredita Zuffo. "Nunca se colocou todo o acervo de pesquisa e engenharia do País a serviço de um grande projeto." O problema, segundo ele, é que o debate não tem sido neutro.

Nas últimas semanas, as discussões começaram a girar em torno de qual padrão deveria ser escolhido: o americano, o europeu e o japonês. Mas os pesquisadores já provaram que, aproveitando algumas das tecnologias de cada um deles, é possível criar um modelo brasileiro mais avançado. "De uma forma ou de outra, os lobbies internacionais querem fazer crer que temos de adotar um dos seus padrões na íntegra", observa o professor Gunnar Bedicks Jr, do Mackenzie, também pesquisador do SBTVD.

Segundo ele, o único ponto sobre o qual ainda não há consenso entre estudiosos e governo está na forma como o sinal digital será transmitido pelo ar, a modulação - que se refletiria em 1% do custo de uma TV de LCD, por exemplo. "Pela evolução tecnológica, mais cedo ou mais tarde todos os padrões vão se aproximar", diz Bedicks.

Na quarta-feira, os parlamentares vão promover um grande debate em Brasília, de olho no impacto de qualquer escolha. "Queremos só uma imagem mais bonita? Acho que não", explica o deputado federal Walter Pinheiro (PT-BA). "Essa decisão deve ser casada com a oportunidade de a nação brasileira discutir uma nova política industrial e de comunicação. Pode ser o momento ideal para resolvermos alguns dos problemas que temos no País."