Título: TV digital: mais perto do seu sofá
Autor: Maurício Moraes e Silva
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/02/2006, Link, p. L10

Ministro das Comunicações promete definir padrão nesta sexta, mas ausência do presidente deve adiar decisão

Estamos no Brasil, num futuro não muito distante. Você liga a TV e senta-se no sofá para ver a estréia de um programa de perguntas e respostas que promete prêmios milionários. Enquanto os convidados apertam botões no palco diante de questões cabeludas, você faz a mesma coisa em casa, usando o controle remoto. No fim da apresentação, a surpresa: acaba de ganhar um carro, por ter sido o espectador com o maior número de acertos em todo o País.

Parece mentira? Nada disso. Prestes a se tornar realidade no Brasil, a TV digital permitirá a participação em programas interativos como o do exemplo acima. Mas não é só isso. A qualidade de imagem que chegará até o seu aparelho será muito superior à do melhor canal que você vê atualmente. O som poderá vir com efeito surround, como no cinema. E ninguém precisará pagar mundos e fundos por toda essa tecnologia.

O governo federal está prestes a definir como será o padrão brasileiro da TV digital. O ministro das Comunicações, Hélio Costa, anunciou na semana passada que a decisão sairá na sexta-feira. "Eu já coloquei a bola no pé do presidente. É só ele chutar", disse o ex-repórter do Fantástico, na semana passada, durante debate na Câmara. Só há um problema: o "atacante" não vai poder fazer o gol tão cedo. Lula viaja amanhã para a África do Sul e só volta no domingo.

Atrasos à parte, tudo leva a crer que não demorará muito para a televisão brasileira entrar nessa nova fase. As emissoras pretendem iniciar a transmissão digital no dia 7 de setembro. Para recebê-la, cada pessoa vai precisar comprar um terminal de acesso e conectá-lo ao seu televisor. Trata-se de uma pequena caixa, que converterá o sinal digital em analógico, permitindo que qualquer aparelho antigo o receba.

O terminal virá com um controle remoto pronto para a interatividade. Apertando as teclas, você poderá, por exemplo, dizer se é contra um projeto enquanto assiste a um canal do Legislativo. Ou fazer tarefas em casa e mandá-las pelo professor depois de assistir a um programa educativo. "Nas nossas pesquisas, encontramos mais de 30 modalidades de serviços", afirma o professor Marcelo Zuffo, da Universidade de São Paulo (USP), um dos responsáveis pelos estudos do sistema brasileiro de TV digital.

Embora isso ainda dependa da decisão do governo, é provável que a linha telefônica seja o meio escolhido para enviar as informações de volta às emissoras. Quem não tiver telefone, entretanto, não vai ficar de fora. Imagine um programa interativo de saúde que fale de depressão. Ao mesmo tempo que assiste, o telespectador responde a um teste que verifica se ele tem os sintomas da doença. Ao terminar, vê o resultado na tela. Tudo porque o terminal poderá "baixar" as informações, como se fizesse um download na web.

Daqui a algum tempo, as TVs vendidas nas lojas já virão prontas para o sistema digital e quem comprá-las não precisará de nenhum aparelho adicional. Se o Brasil optar por um modelo que permita transmissões em alta definição (HDTV), as imagens terão resolução de 1.080 linhas e qualidade de um DVD. Para dar uma idéia, hoje os canais abertos não transmitem em mais do que 480 linhas. Existe ainda a chance de o formato vir em widescreen, como uma tela de cinema.

O som também vai melhorar muito. Se atualmente os programas chegam à sua casa em formato mono ou estéreo, com o padrão digital vai dar pra incomodar bastante os vizinhos. O áudio poderá vir em seis canais, com efeito surround, como o usado pelos home theaters (5.1). Claro que, tanto nesse caso como no do vídeo, apenas quem tiver os equipamentos mais modernos em casa aproveitará ao máximo a tecnologia.

Ainda assim, a qualidade da imagem não vai decepcionar os que tiverem aparelhos antigos. O sistema digital evita fantasmas e interferências. "Quanto mais 'ruído' você tira, melhor a imagem fica", explica o professor Gunnar Bedicks Jr, da Universidade Mackenzie, também autor de parte das pesquisas que ajudarão o governo a definir o sistema brasileiro. A decisão já demora 12 anos para sair, mas fica um consolo: no futuro, você poderá infernizar os burocratas sem sair do sofá.