Título: Europeus recuam e já começam a admitir venda da Arcelor à Mittal
Autor: Reali Júnior
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/02/2006, Economia & Negócios, p. B10

Reação da França, contrária à negociação, chegou a ser tachada de 'protecionista' pela vizinha Inglaterra

A direção do grupo Arcelor enfrenta dificuldades para encontrar um parceiro industrial ideal que possa evitar a operação de compra pelo grupo Mittal Steel, classificada como hostil por seus dirigentes e mesmo pelos governos da França e de Luxemburgo. No dia 27 de janeiro, o Mittal, maior grupo siderúrgico do mundo, ofereceu US$ 22,8 bilhões pela Arcelor, a segunda maior do setor. A fusão das empresas criaria um grupo com capacidade de produção superior a 100 milhões de toneladas de aço por ano.

Vista inicialmente quase como uma agressão à soberania francesa, o que provocou reações até do presidente Jacques Chirac, a possibilidade de compra já começa a encontrar menos resistência. A posição de que "o Estado não tem que se imiscuir nos negócios das empresas privadas" começa a prevalecer junto ao governo francês e demais atores envolvidos na disputa pública.

As primeiras reações à proposta de compra foram radicalmente de oposição ao negócio. O governo francês, por meio do primeiro-ministro Dominique de Villepin e do ministro da Economia, Thierry Bretton, mostrou-se indignado. Os ministros definiram a oferta de compra como "fortemente hostil". Agora , a situação evoluiu e os franceses já admitem uma negociação. O presidente da Arcelor, Guy Dollé, chegou a dizer que era "300% contrário à venda da Arcelor à Mittal", mas na sexta-feira mudou de posição, tornando menos ácidas suas críticas ao indiano Lakshimi Mittal, com quem chegou a se reunir, em Paris, num encontro promovido pelo International Iron and Steel Institute (IISI).

Mesmo com a direção do grupo Arcelor e os governos da França, Bélgica e Luxemburgo sendo contrários à operação, já se constata uma mudança de atitude, um certo recuo, em relação à oferta. Os dirigentes políticos dos demais países europeus estão resignados à iniciativa do grupo Mittal. Agora, prevalece um tom bem mais moderado do que há uma semana, muito provavelmente diante da constatação das dificuldades de se estabelecer uma linha de defesa forte. Além do mais, os três países mais interessados não conseguiram sensibilizar outros países europeus para participar de uma frente comum para impedir a realização da operação.

Mesmo o ministro da Economia, Thierry Bretton, que chegou a ser considerado arrogante ao referir-se à tentativa hostil de "um grupo indiano" , mudou seu linguajar, preferindo se referir à Mittal como "uma empresa européia cuja sede encontra-se na Holanda". Os dirigentes de Arcelor não escondem sua irritação quando falam do grupo alemão ThyssenKrupp, acusado de traição, pois se tornou aliado da Mittal. A Mittal teria prometido ceder à Thyssen o controle da siderúrgica canadense Dofasco, recém-adquirida pela Arcelor, após disputa com o grupo alemão.

Hoje a direção de Arcelor reconhece a inexistência de um "cavaleiro branco industrial", que poderá se associar para conseguir uma saída honrosa que impeça a compra. Mas também não acredita num "cavaleiro branco financeiro". A única saída seria o encontro de um associado pronto a assumir uma participação minoritária no projeto industrial, mas até agora esse parceiro não apareceu.

Isso porque a tentativa de criar uma frente política européia contra a oferta de compra não deu em nada. A Grã-Bretanha chegou mesmo a criticar o protecionismo de seus vizinhos, através da declaração do ministro da Indústria, Alan Johnson: "Existem partidários do protecionismo entre nossos mais próximos parceiros europeus." Diante disso, a Mittal Steel continua a buscar aliados para sua oferta.

Mesmo na frente sindical, não se constata a solidariedade esperada pelos sindicatos europeus do setor. Nos Estados Unidos, as representações sindicais defendem o projeto Mittal de compra do grupo Arcelor, enquanto na Alemanha vem prevalecendo o silêncio, que poderia ser explicado pela aliança entre a Mittal e a ThyssenKrupp.