Título: Gastar melhor é desafio para o País
Autor: Fabio Graner, Adriana Fernandes
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/02/2006, Economia & Negócios, p. B7

Prioridade do próximo governante deve ser melhorar a qualidade das despesas com recursos dos contribuintes

A campanha eleitoral ainda não deslanchou, mas certamente, um dos desafios do próximo governante do País será a contenção do ritmo de crescimento da despesa pública e, sobretudo, melhoria da qualidade do gasto feito com o dinheiro do contribuinte.

A divulgação dos resultados das contas públicas no ano passado, nas suas diversas esferas - a arrecadação, o gasto e a forma como governo financiou suas despesas - estimulou o questionamento sobre a qualidade da geração de um superávit primário (economia para o pagamento dos juros) de quase 5% do PIB garantido não por uma gestão firme das contas públicas, mas do aumento da receita (ganho com mais impostos) e contenção dos investimentos.

Economistas do governo consideram que, de fato, se está diante de um paradoxo. O País fez seu mais forte ajuste fiscal desde a desvalorização do real, mas sem qualidade. "Os números indicam que o ajuste não foi feito com qualidade", afirmam. Segundo esses economistas, a situação é delicada e o debate não está sendo colocado de forma clara para a sociedade. Quanto mais se aumentam os gastos, menores são as possibilidades de uma redução mais forte das taxas de juros. Existe no governo a convicção de que o aumento das despesas públicas é fator de pressão inflacionária, o que reduz a margem de manobra para o Banco Central ser "mais ousado" na redução das taxas de juros.

O economista da LCA Consultores, Bráulio Borges, confirma esse entendimento. Segundo ele, o ajuste fiscal iniciado em 1999, apesar de inédito, tem sido de má qualidade por dois fatores: é pautado no crescimento da arrecadação e os cortes de despesas só ocorreram nos investimentos. "É preciso aumentar a eficiência dos gastos. Na prática, o governo precisa fazer o mesmo gastando menos do que hoje", comentou.

Entre 1999 e 2005, desconsiderando-se o pagamento dos juros, as despesas do governo cresceram a uma média de 18,3% ao ano, saltando de 15,85% do PIB para mais de 18% no ano passado. Para fazer frente a esse aumento do gasto, as receitas, no mesmo período, cresceram a uma média de 20%, sem considerar a inflação. O agravante é que a maioria dos gastos ocorreu nas chamadas despesas correntes - aquelas do dia-a-dia da administração - e não de investimentos, que, se realizados, trariam resultados melhores a longo prazo. Em 2004, as despesas de custeio do governo federal somaram R$ 52,47 bilhões, enquanto os investimentos ficaram em apenas R$ 8,9 bilhões. Em 2005, o gasto com custeio cresceu 18,45%, enquanto os investimentos se expandiram apenas 12,05%.

Os economistas José Roberto Afonso e Beatriz Meirelles, ligados ao PSDB, têm um estudo em que evidenciam que a tendência de aumento de gastos no Brasil vai na contramão da tendência mundial. Mostra, por exemplo, que os países membros da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) reduziram em média 6,6% os gastos governamentais nos últimos anos, comparando-se com o pico de gastos de cada país membro do bloco. Nesse cálculo estão consideradas as despesas com o pagamento dos juros. O estudo mostra que da queda na despesa pública, 38% foram por redução na transferência de renda, 36% por menores gastos com dívida pública, 18% no consumo do governo e só 7% motivadas pela queda nos investimentos.

"É um comportamento de gasto radicalmente oposto ao caso brasileiro" afirmam os economistas no documento. No texto, afirmam, ainda, que, nos últimos anos, a elevação dos gastos foi liderada "justamente pelas parcelas que mais encolheram nos países ricos - dívida e previdência".

"A qualidade dos gastos tem sido um ponto fraco na política fiscal", admite Lisa Schineller, diretora da agência de rating Standard & Poor's (S&P). Ela lembra, no entanto, que esse procedimento não é exclusivo do governo de Luiz Inácio Lula da Silva. O governo passado também tinha dificuldade de conter gastos, devido à rigidez orçamentária. Ela se refere a gastos obrigatórios, como a elevada despesa com folha de pessoal, aposentados e as chamadas despesas vinculadas, além dos gastos com os juros.

Essa inflexibilidade orçamentária, como comentou, torna o País com menor capacidade para enfrentar choques, situação que é considerada no momento de se definir uma reclassificação do risco do País. Lisa afirma que não há opção para o próximo governo: será necessário melhorar a qualidade das contas fiscais e, nesse sentido, fortalecer a política fiscal. Só assim, avalia a economista, será possível o País dispor de mais recursos para investimentos.

Nesse sentido, Lisa achou um sinal negativo o aumento acima do previsto na proposta de Orçamento deste ano para o salário mínimo, que ficará em R$ 350. "Foi um passo negativo na qualidade das contas fiscais, pois aumenta a rigidez da despesa pública. Um aumento menor poderia liberar mais dinheiro para a educação, infra-estrutura e saúde, com impacto melhor para o crescimento no médio prazo", avaliou.

O economista-chefe da corretora Convenção, Fernando Montero, concorda que a elevação do salário mínimo para R$ 350 foi um sinal ruim. Para ele, o dinheiro adicional seria melhor direcionado, por exemplo, com elevação do Bolsa-Família, programa de transferência de renda do governo federal, que busca atingir famílias abaixo da linha da pobreza.

Segundo ele, o Brasil gasta hoje com aposentados e rentistas (pessoas que vivem de juros) 20% do PIB. "Não há nada errado em gastar um quinto do PIB em aposentados e rentistas num país rico e velho, que acumulou, cresceu e distribuiu. O que não dá é gastar isso no Brasil", comentou.

Questionado se não seria justo um salário mínimo maior, Montero respondeu: "Tudo é justo. Mas é preciso avaliar as prioridades. Tem um problema estrutural, que foi agravado com uma decisão política de conceder um aumento no momento em que o salário já tinha se recuperado." Ele fez referência ao fato de que se o piso tivesse sido elevado para R$ 321, já teria dobrado o poder de compra em relação à cesta básica.