Título: Lula tira microcrédito do papel com R$ 100 milhões em 2006
Autor: Mariana Barbosa
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/02/2006, Economia & Negócios, p. B1

Até hoje, só aprovaram R$ 23 milhões para empreendimentos; ordem para o BNDES é correr contra o tempo

Anunciado com a promessa de desembolsos bilionários em agosto de 2003, o programa de microcrédito produtivo orientado só agora começa a sair do papel. O programa foi criado nos moldes do que se faz em Bangladesh, na Índia, com o financiamento de microempreendimentos informais. A orientação do presidente Lula a todos os agentes envolvidos (bancos públicos e ministérios) é correr contra o tempo para massificar o desembolso até o fim do ano.

"Estamos com pressa", afirma o diretor da Área Social do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Maurício Borges. "O presidente quer terminar o ano com resultados." A expectativa do governo é encerrar o ano com pelo menos R$ 100 milhões de recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) repassados por bancos públicos às instituições de microcrédito produtivo orientado, também conhecidas como bancos do povo e constituídas, na sua maioria, na forma de Oscips (organizações da sociedade civil de interesse público).

Cerca de 70% deste total virá do próprio BNDES. O banco foi o maior financiador de instituições de microcrédito durante o segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso, mas passou os últimos quase três anos de portas fechadas para o setor. Sob o comando de Carlos Lessa (2003-2004), o banco não só não liberou um centavo, como declarou guerra ao setor.

O clima se acalmou no ano passado e o programa foi reestruturado. Mas só em meados de dezembro os recursos voltaram a ser liberados. Desde então, foram aprovadas 7 operações, no valor de R$ 23 milhões.

"Temos quase 30 projetos aprovados, em análise ou em processo de liberação", diz o diretor Borges. "Juntos, somam R$ 70 milhões, que devem estar nas ruas no segundo semestre." Na era FHC o banco emprestou menos de R$ 50 milhões.

Além do BNDES, o Banco do Brasil, o seu filhote Banco Popular do Brasil e a Caixa Econômica Federal estão começando a deslanchar projetos na área. Iniciativas começam a surgir também na esfera dos bancos privados. Por trás dessas iniciativas está o Programa Nacional do Microcrédito Produtivo Orientado (PNMPO), transformado em lei em março de 2005 e regulamentado em agosto.

O programa só saiu do papel depois de muita briga e pressão das Oscips, cujas demandas não haviam sido contempladas nos quase 20 decretos, leis, resoluções e portarias adotados até então por iniciativa do atual governo e relacionados ao tema finanças populares.

INCLUSÃO

Além da criação do Banco Popular (que em 2004 gastou R$ 24 milhões com marketing, mais do que o que foi emprestado à população de baixa renda), foram adotadas várias medidas de inclusão bancária (como as contas simplificadas) e de incentivo ao crédito (desconto em folha de pagamento de assalariados e de pensionistas do INSS), batizadas de forma genérica de microcrédito. Até a penhora da Caixa ganhou uma versão "micro", cujos números são freqüentemente incluídos no bolo do microcrédito na propaganda oficial.

Algumas das medidas, como os 2% dos depósitos à vista que os bancos deveriam emprestar para o microcrédito (seja diretamente ao empreendedor ou repassando recursos para Oscips), não surtiram o efeito desejado. A maior parte dos recursos acabou sendo utilizada para empréstimos pessoais à população de baixa renda. O PNMPO foi criado para aperfeiçoar algumas dessas medidas e também para promover o desenvolvimento institucional do setor. O BNDES e o Ministério do Trabalho, que coordenam o PNMPO, estão elaborando um programa de desenvolvimento e fortalecimento das instituições, com cursos de formação e a adoção de modelos de contabilidade padronizados.

"A padronização ajudará os bancos na análise de risco", afirma o coordenador do comitê interministerial do PNMPO, Almir da Costa Pereira, que confia no crescimento sólido do setor este ano. "Há um compromisso explícito do governo de desenvolver o segmento e produzir resultados efetivos."

Apesar de elogiar o programa, do qual participou da elaboração, a Associação Brasileira das Instituições de Microcrédito (Abcred) vê alguns gargalos. O principal é a falta de recursos para financiar instituições de médio porte. "O processo de liberação ainda é lento e o grande agente financeiro, o BNDES, diz que só vai emprestar acima de R$ 1 milhão. E as instituições que precisam de menos recursos?", pergunta José Caetano Lavorato.

Existem hoje no Brasil cerca de 200 instituições. Algumas poucas dezenas são bem equipadas e com patrimônio líquido superior a R$ 335 mil, mínimo para se obter um financiamento de R$ 1 milhão. Por lei, as entidades só podem se endividar no equivalente a três vezes o seu patrimônio líquido. "As Oscips precisam comer um pouco de feijão antes de chegar aqui", diz o diretor do BNDES Maurício Borges. Lavorato questiona: "Como é que elas vão crescer sem financiamento?"

Para as bem pequenas, existe o Banco Popular, que iniciou algumas poucas operações de repasse para Oscips no valor de R$ 50 mil a R$ 100 mil.

Para as de médio porte, o coordenador do PNMPO afirma que já foram iniciadas negociações com três bancos privados. "Estamos tentando convencê-los a começar com empréstimos pequenos, de R$ 50 mil, e gradualmente, à medida que a confiança for estabelecida, aumentar para até R$ 500 mil", diz Pereira.