Título: Estabilização e segurança são desafios para candidatos no Haiti
Autor: José Maria Mayrink
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/02/2006, Internacional, p. A9

Préval, ex-presidente, promete atrair capital externo; empresário Baker aposta na agricultura

Os dois candidatos mais cotados do Haiti, o ex-presidente René García Préval, de 63 anos, e o empresário Charles Henri Baker, de 50 anos, cantam vitória nas eleições presidenciais e parlamentares de amanhã e, mais do que isso, esperam ganhar já no primeiro turno.

"Minha sondagem vem direto do povo, estou certo de que os eleitores vão me eleger", disse ontem ao Estado o conservador Charles Baker, o Charlito, depois de admitir que Préval, o favorito nas pesquisas eleitorais, tem 35% das intenções de votos, enquanto ele aparece com menos de 20%.

Mais cauteloso, Préval afirmou em entrevista aos jornalistas brasileiros, sábado à noite, em sua residência, que está preparado para disputar e vencer a eleição, em 19 de março, se não sair vitorioso agora. O resultado do primeiro turno deverá ser anunciado na sexta-feira.

Segurança é a prioridade dos dois candidatos. Ambos condicionam à estabilização política e social do país o esforço que o futuro governo terá de fazer para conseguir algum desenvolvimento econômico, com a retomada de investimentos internos. Préval promete criar condições para atrair recursos externos, Baker aposta no incentivo à agricultura.

"Enquanto a República Dominicana recebeu US$ 1 bilhão em 2001, o Haiti só conseguiu US$ 3 milhões", observou. No ano seguinte, a situação melhorou um pouco - US$ 800 milhões para os dominicanos, US$ 7,5 milhões para o Haiti -, mas é assim mesmo inadmissível. Préval atribui esse quadro à falta de confiança internacional na estrutura de seu país.

Se for eleito, o ex-presidente - ele governou de 1996 a 2000, entre dois governos de Jean-Bertrand Aristide - promete começar pela estabilização do país, com base na descentralização e no poder popular das assembléias comunais, a serem eleitas nas eleições municipais de 30 de abril. "É uma estrutura prevista pela Constituição que temos de fazer funcionar", disse Préval, calculando que esse processo levaria cinco anos.

Ao defender a volta de investimentos estrangeiros, o candidato do movimento Esperança, que conta com o apoio do Família Lavalas, de Aristide, também ressalta a importância da agricultura. "Temos 80% da população no campo e dispomos de terra e de água para atrair recursos para a lavoura", lembrou Préval.

O industrial Charles Baker, um milionário que começou como fazendeiro e depois abriu fábricas de roupa para vender calças e camisas aos Estados Unidos, pretende retomar a produção de arroz, café, cacau e cana-de-açúcar - itens de exportação de 30 anos atrás que foram reduzidos a quase zero.

"Tenho 50 anos de idade e nunca vi um presidente que fizesse alguma coisa pela agricultura no Haiti", afirmou Baker, recuando até antes da ditadura de François Duvalier, o Papa Doc, que foi eleito em 1957. "Vou investir em nossa vocação agrícola, se possível com cooperação internacional", promete o empresário.

Ao falarem de segurança, tanto Préval como Baker defendem a permanência das tropas da Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti (Minustah) por mais alguns anos. Os dois candidatos argumentam que futuro governo não poderá abrir mão da força militar internacional (são 7,5 mil soldados sob comando do Brasil e quase 2 mil policiais, chefiados pelo Canadá), enquanto o Haiti não dispuser de uma força própria.

"A Minustah deveria ser menos militar e mais policial", observou Préval, cuja preocupação é criar logo uma polícia nacional eficiente que dispense a restauração do Exército, extinto por Aristide em 1994. "Para que precisaríamos de um Exército, para fazer guerra com a República Dominicana?", diz, referindo-se à única fronteira por terra, de 380 quilômetros.

Baker sugere que a força de paz da ONU continue no Haiti pelo menos por mais dois anos. O novo governo teria assim tempo para organizar a polícia, que teria 20 mil homens, três vezes mais do que tem hoje, e reestruturar as Forças Armadas, com Exército, Marinha e Aeronáutica. "A Minustah deve continuar aqui, mas teria de ser mais ativa", aconselha o empresário, sugerindo mais empenho das tropas internacionais no combate aos bandidos.

Cercado por um bem armado esquema de segurança particular, que guarda com pistolas e carabinas o comitê central de sua campanha eleitoral, Baker exige mais ação no combate aos bandidos. "Em Cité Soleil, cerca de 200 a 300 marginais impõem o terrorismo a 300 mil pessoas", disse o empresário. As armas dos terroristas, denuncia ele, foram distribuídas nos governos de Aristide e Préval.