Título: Líbano: fogo na missão da Dinamarca
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Fonte: O Estado de São Paulo, 06/02/2006, Internacional, p. A8

Um dia após ataque a embaixadas na Síria, manifestantes enfrentam a polícia e incendeiam prédio em Beirute

Milhares de ativistas islâmicos, revoltados com a publicação de caricaturas do Profeta Maomé por jornais europeus, atearam fogo ontem à embaixada dinamarquesa em Beirute, capital do Líbano. Na véspera, manifestantes incendiaram as embaixadas da Dinamarca e da Noruega na Síria. Forças de segurança libanesas usaram gás lacrimogêneo na multidão e dispararam tiros para o ar, numa tentativa desesperada de conter a violência.

O incidente causou a renúncia do ministro do Interior libanês, Hasan Sabeh. Ele ressaltou que se negou a dar uma ordem para abrir fogo contra os manifestantes porque "não quis ser o responsável por uma carnificina".

Segundo testemunhas, pelo menos 18 pessoas ficaram feridas no confronte entre manifestantes e policiais. O protesto se degenerou em violência quando grupos de ativistas tentaram passar pela barreira de segurança erguida na frente do edifício, o que levou a tropa de choque a usar gás e canhões de água.

O clérigo Mohammed Rashid Kabbani foi à TV libanesa para pedir calma à população. Kabbani criticou a violência e denunciou a ação de grupos radicais infiltrados nas manifestações com o objetivo de "prejudicar a estabilidade do Líbano e distorcer a imagem do Islã".

Em outro incidente ligado à revolta pela publicação das charges, alguns manifestantes apedrejaram uma igreja cristã maronita num bairro cristão de Beirute.

O primeiro-ministro libanês, Fuad Siniora, disse considerar "inaceitáveis" os protestos violentos e deu ordens às forças de segurança para que tomem "todas as medidas cabíveis para evitar incidentes semelhantes". "Deste modo, não se defende o Islã nem o Profeta Maomé", disse Siniora. "Estou muito triste pelo que eu vejo e ouço."

O líder da coalizão anti-Síria no Parlamento libanês, Saad Hariri, denunciou "a exportação" dos protestos violentos de Damasco para o Líbano, dando a entender que grupos ligados à Síria estariam vinculados às manifestações em Beirute.

Os governos da Dinamarca e da Noruega recomendaram a todos os seus cidadãos que abandonem os países nos quais os protestos têm se mostrado mais violentos. Na Síria, a maior parte dos dinamarqueses e noruegueses acatou a recomendação. As embaixadas da Dinamarca e da Noruega em Damasco ficam no mesmo edifício - que abriga ainda a missão diplomática do Chile.

A série de caricaturas de Maomé foi publicada inicialmente pelo jornal dinamarquês Jyllands-Posten em setembro. Editores do diário defenderam a publicação das charges sob o argumento de que dogmas religiosos não devem se sobrepor à liberdade de imprensa. Em meio à polêmica, outras publicações européias reproduziram os desenhos. Num deles, o considerado mais ofensivo pelo mundo islâmico, Maomé aparece com uma bomba no turbante.

As charges foram publicadas também por uma revista jordaniana, revoltando a população do país islâmico. Ontem, a Justiça jordaniana ordenou a prisão de mais um jornalista - o segundo desde sexta-feira - por causa da publicação.

Em Londres, o ministro das Relações Exteriores britânico, Jack Straw, criticou "as ameaças dos manifestantes", mas ressaltou que considera legítima a manifestação pacífica da "imensa maioria dos muçulmanos no Reino Unido e em outras partes contra as caricaturas".